Conversa
de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) –
16/5/92 – Sábado – p.
Conversa de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) — 16/5/92 — Sábado
Em determinado momento o SDP percebe a relação das arquetipias com uma certa forma de ordem que existe na igreja do Sagrado Coração de Jesus * As imagens do Sagrado Coração de Jesus e a igreja estavam relacionados e produziam sobre mim o mesmo efeito * A minha vida verdadeira não era de ser aluno do colégio São Luís, mas era esta “recherche”, com a idéia que houvera época em que todos os homens pensavam tudo quanto eu pensava * Nós vivemos num paraíso com venda nos olhos e proibidos de tirar a venda para olhá-lo, e proibidos sequer de conversar sobre ele com os olhos fechados * Eu via um agonizante esperar a visita de um cadáver. O agonizante era o mundo no qual eu vivia, o cadáver era a influência hollywoodiana que ia dar a esse agonizante os pontapés finais * Tudo isso que eu conto transparece em mim e os inimigos dão conta. Como é que meus filhos não vêem? * Nós estamos entrando na 4ª e 5ª Revolução, como está previsto, e isto não nos comove, não nos move, não nos espanta, não nos admira nem nada * Nós preferimos olhar a podridão dos pântanos do que ver a beleza do sol
(Sr. Gonzalo: A duas últimas foram na linha da gruta do Cornélio…)
Ah, é verdade! Ahahah! É verdade.
(Sr. Gonzalo: [Resumo da reunião anterior] e o que ficava era um pedido nosso, se pudesse dar mais exemplos teórico-práticos disso. De conversas nessa linha poderia nascer uma fonte de água viva para a Contra-Revolução, porque o senhor disse que Contra-Revolução é propriamente isso. Mesmo o que está escrito na RCR não chega ao ponto da consideração dessas arquetipias que o senhor fez nessas últimas reuniões.)
Não. Quer dizer a doutrina da revolução tendencial contém no seu núcleo isso.
(Sr. Gonzalo: Mas o senhor explicita mais. Não sei se estaria claro?)
Ah, para mim muito claro.
Eu não sei por onde tomar, vocês queriam exemplos de arquetipias, não é
(Sr. Gonzalo: Ou de coisas pequenas mas que o senhor depois arquetipizava.)
(Sr. P. Roberto: O senhor falou também de Nosso Senhor como sendo a fonte dos relacionamentos.)
E é mesmo.
(Sr. P. Roberto: E o senhor dizia que tem toda uma teoria sobre os relacionamentos. Não sei se isso entraria também.)
Isso está no âmago do assunto, e eu posso entrar por aí. Eu acho que é oportuno para atender o pedido do Gonzalo. Isso é oportuno e está muito bem lembrado.
* Em determinado momento o SDP percebe a relação das arquetipias com uma certa forma de ordem que existe na igreja do Sagrado Coração de Jesus
Quer dizer, houve nessa movimentação toda, houve um determinado momento em que eu percebi a relação dessas arquetipias todas com uma certa forma de ordem que existe na igreja do Sagrado Coração de Jesus. Eu me lembro de mim mesmo longamente olhando a igreja sobre esses aspecto, aquele aspecto, etc., etc., para me imbuir bem daquilo. E depois, como eu era muito menino, eu não percebia bem a diferença entre o mármore pintado — que não é mármore, portanto — e o mármore verdadeiro e eu tinha a impressão de que aquelas colunas são colunas de mármore e que tudo quanto existe de mármore pintado e, portanto, de segunda classe ali, eu julgava que era mármore verdadeiro, e achava aquela coisa belíssima. Embora a noção de algumas diferenciações já viessem ao meu espírito.
* O SDP analisando os vitrais de vidro comum vai estabelecendo classificações
Não sei se vocês se lembram que no presbitério da igreja do Sagrado Coração de Jesus, em cima existe de um lado e do outro, dois meio círculos de vidro transparente. Mas esse vidro transparente é vidro, vidro, não é vitral, é vidro-vidro. Quer dizer, não é feito de cristal e é transparente, quando o vitral verdadeiro não é transparente. Eu me lembrava que via através desse vidro, fios de telefone, de energia elétrica etc., que estavam do lado de lá, por onde não me era dado duvidar de que aquilo era transparente.
E eu me lembro [que], olhando aquilo, de um lado me agradavam as cores, mas de outro lado eu dizia: “acho que isso não é vitral, e é uma coisa esquisita, mas não sendo vitral não tem alguma coisa de que eu gosto no vitral. Mas o que é que é isso? Isto é vidro? É mero vidro de janela que puseram aí? Por onde eu ia distinguindo e percebendo que o vidro de janela era indigno de estar ali, enquanto um vitral verdadeiro estaria perfeitamente ali. Ali ia estabelecendo nas arquetipias algumas classificações, e as classificações no meu feitio de espírito, muito tranchantes, muito cortantes.
* No fundo havia a idéia: vitral era a nobreza e o vidro era a plebe
Quer dizer, se uma coisa não é vitral e é vidro — eu não perguntava a ninguém — mas eu vou examinar no que é que o vitral é diferente do vidro. E chegava a conclusão que o vidro era ordinário em relação ao vitral, mas ordinário era como a guilhotina: “vidro é coisa de segunda classe, vitral é coisa de primeira classe, pan! Corta. Pertencem a dois mundos diferentes.”
Você está vendo que no fundo havia a idéia: “vitral era a nobreza e o vidro era a plebe de um certo gênero que poderia ser a vitragem ou qualquer coisa assim”.
Por que é que eu não perguntava?
* Porque o SDP não perguntava nada sobre isso; a dominação do espírito de hollywood
Entra um lado interessante aí. É para vocês verem a forma de dominação do espírito hollywoodiano no tempo de minha infância. Que uma menina perguntasse isso, era considerado normal porque […inaudível] a futura dona de casa que precisa saber disso. Mas que um menino perguntasse, era considerado completamente esdrúxulo, sem propósito. Um menino deve saber matar passarinhos com pedradas, deve saber pular muros, quebrar vitrais, deve saber usar o estilingue contra outro menino, deve saber esbofetear, brigar, rolar no chão, etc., etc. Enquanto a menina deve cuidar dos vitrais e dos vidros.
Então eu percebi que se eu perguntasse a qualquer pessoa — não precisava tantas indagações, era perguntar para qualquer pessoa mais velha em casa — mas percebia que se eu perguntasse causaria estranheza.
À mamãe não causaria estranheza, mas ela, na candura dela, se entrasse alguém enquanto ela estava me dando a explicação, ela continuaria a explicação e este alguém diria: “Mas o que é isto? Você, um menino, se interessando por isso? Isso não é coisa para você! Você quer que eu mande vir uma boneca para você brincar?”
* Ia-se produzindo assim um tipo masculino com uma nota de uma brutalidade, de estupidez e de conaturalidade com uma espécie de analfabetismo
E não sei também se realizam bem, como isto ia produzindo um tipo masculino, de uma brutalidade e de uma estupidez, de uma conaturalidade com uma espécie de analfabetismo, e com formas de cultura — que não era cultura — que fazia com que o menino inteiramente hollywoodizado não quereria ser a não ser engenheiro ou médico, mas advogado era já uma coisa assim.
Por quê? Porque saberia fazer discurso, ter um vocabulário bonito, etc., o que não era tido como efeminado, mas era tido como índice de um temperamento insuficientemente típico da masculinidade.
E eu vejo pela anuência que dão, que vocês pegaram sintomas de uma coisa dessas.
* As minhas cogitações e as minhas vias não eram as cogitações e as vias deles, porque rumavam para outra linha completamente diferente, e na qual eu andava absolutamente só
O que a mim, me indignava, mas eu não estava disposto a abrir uma espécie de guerra também contra isso, entre os meus, porque tornava uma vida impossível… E me tornaria [alienos factus sum in domus matris mea?], mas também ficar explicando a vocês as distâncias interiores que eu ia tomando com eles. Porque me sentia… eu entrava na roda deles, proseava, levava a vida de família que todo o mundo leva, mas as minhas cogitações e as minhas vias — para usar palavras do Evangelho — não eram as cogitações e as vias deles, porque rumavam para outra linha completamente diferente, e na qual eu andava absolutamente só. Porque eu não conhecia um menino que tivesse um rudimento de interesse por esse gênero de assunto. Mesmo o Reizinho que andava tanto comigo, ele não tinha rudimento de interesse nenhum por isso aí.
* As imagens do Sagrado Coração de Jesus e a igreja estavam relacionados e produziam sobre mim o mesmo efeito
Mas voltando ao caso, no conjunto de igreja do Sagrado Coração de Jesus, eu notava aquela harmonia de elementos de que já temos falado tantas vezes. Mas eu notei muito bem que havia o seguinte: as imagens do Coração de Jesus determinavam em mim, uma disposição de alma parecida com a disposição de alma que eu tinha estando dentro da igreja, de maneira que, por assim dizer, eles tinham uma projeção, uma irradiação sobre o meu espírito, análogo à que tinha o outro. Quer dizer, Ele e a igreja estavam relacionados e produziam sobre mim o mesmo efeito.
Mas daí vinha uma idéia que uma pessoa pode ter na sua alma, todas as qualidades e todas as expressões, que um monumento como é a igreja pode ter também. E que, portanto, esta ordem de harmonia que eu apreciava tanto em fotografias com palácios, com igrejas, com panoramas bonitos, etc., etc., que isto era uma forma de perfeição e de excelência, que existia muito melhor na alma humana, mas que existia de um modo supremo no Sagrado Coração de Jesus. Porque não houvera homem — eu sabia perfeitamente que Ele era Homem-Deus — que não houvera homem que fôra igual a Ele, nem sequer tivesse a possibilidade de algum dia tocá-lo. Ou o Sagrado Coração de Jesus viria a nós ou nós nunca o alcançaríamos. E ele tendo, portanto, na sua alma, todas as excelências, e todas as perfeições, de todas as formas de beleza e de bondade existente na natureza ou na arte, ou nas letras, ou em tudo quanto o homem possa fazer de belo, nEle se reunia de modo infinitamente maior.
* Conclusão: Ele era a matriz da Igreja Católica, e a Igreja tinha uma certa união com Ele por onde se poderia dizer que Ele estava para a Igreja como uma luz está para o “abat-jour”
Daí naturalmente vocês vêem bem que está a um passo de chegar à conclusão, que graças a Nossa Senhora, já estava virtualmente transposta de que Ele era a matriz da Igreja Católica Apostólica Romana, e que a Igreja Católica tinha uma certa união com Ele — eu não conhecia a doutrina do corpo místico, nem um menino alcança aquela doutrina — mas que tinha uma certa união com Ele por onde se poderia dizer que Ele estava para a Igreja como uma luz está para o abat-jour e Ele seria a lâmpada.
Quer dizer, através do abat-jour os olhos humanos podem perceber algo da lâmpada, mas o valor do abat-jour propriamente está no difundir a luz da lâmpada. E assim estava Ele, Luz do mundo, portanto, e luz espiritual, luz de santidade e luz de perfeição. Naturalmente aí estava o ato de fé contido inteiro através — não é que minha fé tenha nascido disso, os senhores devem saber, eu tinha fé, eu fui batizado e me ensinaram desde menino que Ele era Homem-Deus, etc., etc. Mas alguns dos sentidos dessa fé, algumas das verdades conhecidas nessa fé, e verdades mais próprias a tocarem minha alma, essas verdades eu as vim descobrir através deste itinerário.
Mas daí a idéia de que conhecendo almas à maneira da alma dele, realizar condições de convivência humana que eram as únicas condições de convivência que tornaria uma convivência própria a uma convivência. E que uma convivência en dehors com gente que não era assim, era no máximo um exílio, para não chegar a dizer que era uma não-vida. Como eu tinha um temperamento alegre, e depois com […inaudível] nortista, muito expansivo, falando muito, etc., etc., ninguém poderia imaginar que tudo isso estava na minha cabeça. Não havia possibilidade. Nem ninguém nunca imaginou.
* A minha vida verdadeira não era de ser aluno do colégio São Luís, mas era esta “recherche”, com a idéia que houvera época em que todos os homens pensavam tudo quanto eu pensava
Mas de fato, a minha vida verdadeira não era de ser aluno do colégio São Luís, e não sei o quê, não sei o quê, era isto, esta recherche, esta pesquisa, mas chegando às conseqüências deste isolamento enquanto vinha do outro lado a idéia que houvera época em que todos os homens pensavam tudo quanto eu pensava. Porque todas as tradições estavam na linha daquilo como eu queria e como eu entendia, e quanto mais antigo o objeto ou a residência, ou a música, ou a comida, ou qualquer outra coisa assim, quanto mais antigo até a Idade Média, tanto mais eu me sentia consonante com aquilo. Donde a idéia de que se eu não estava completamente transviado — hipótese que eu não admitia — essa idéia que daí viera uma decadência que proviera do abandono do Coração de Jesus.
(Sr. P. Roberto: A RCR já estava…)
Em ovo, em germe.
(Sr. Guerreiro: Isso dá para ser no preâmbulo de uma nova edição da RCR.)
Eu creio, meu filho, que ainda hoje ninguém aceitaria…
(…)
… também está o thau na cabeça dessa gente, só que eles não têm os três dedos esticados.
* A inibição que existe para se tratar desses temas
Você quer ver, meu filho, como é isso assim? Se vocês não se reunissem aqui para juntos conversarmos sobre isso, e não soubesse portanto um do outro que tem esse interesse, vocês podiam chegar a velhos sem nunca terem trocados entre si uma palavra sobre esse assunto.
(Cel. Poli: Não tenho a menor dúvida.)
Você não tem a menor dúvida.
(Sr. P. Roberto: Nós estamos reunidos por causa do senhor.)
Bem, meu filho, o que quer dizer que vocês são voltados para isso, encontram nisso uma forma de elevação e de união com Nossa Senhora, com a Igreja, com Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, mas com uma tal inibição que são — são seis que estão nessa sala — então, seis poderiam passar a vida juntos, e até morando num mesmo êremo, etc., etc., mas tão inibidos uns com os outros, que não teriam a coragem de um abrir-se com o outro a respeito disso.
(Sr. Gonzalo: É uma cárcere mesmo.)
É um cárcere.
* Nós vivemos num paraíso com venda nos olhos e proibidos de tirar a venda para olhá-lo, e proibidos sequer de conversar sobre ele com os olhos fechados
(Sr. P. Roberto: Entretanto quando o senhor fala parece que é uma coisa paradisíaca.)
Paradisíaca. E é paradisíaca. E esse paraíso nós vivemos dentro dele com venda nos olhos e proibidos de tirar a venda para olhá-lo. E proibidos sequer de conversar sobre ele com os olhos fechados.
(…)
… mas que a essência da religião era o que estava no catecismo. E é verdade, mas a questão é que não se vive só de essência. Por exemplo, a essência de um homem é tal que um homem não morre se lhes cortarem os braços e as pernas, mas não é um estado normal, é um estado profundamente anormal.
Do mesmo modo acontece com essa pobreza de formação que [recebemos]. Mas que também era uma ditadura. Mais uma vez eu digo: nós somos de Estados diferentes, e o Gonzalo e você são de nações diferentes, recebemos portanto influências de meios diferentes, mas a ditadura é a mesma. Se você, por exemplo — eu conheço a Argentina e vi como são católicos na Argentina — se você fosse se levantar e me dissesse: “Doutor Plinio, perdão, na Argentina tem isso, tem aquilo, tem aquilo outro”, seria o maior espanto da minha vida.
(Sr. Horácio: Não tem perigo.)
Não tem perigo, não é verdade?
* Estabelece-se sobre nós um estado de inadvertida ditadura psicológica
Agora, isso tudo junto conduz a quê? Conduz a que nós percebamos o estado de inadvertida ditadura psicológica que se estabelece sobre nós, por processos… bem entendidos, mas uma outra coisa agora, é o seguinte: se eu quisesse exemplificar aos senhores como é que essa ditadura estabeleceu e como é o aparelho que a mantém viva, seria outra coisa da qual igualmente vocês nunca ouviram falar.
(Sr. P. Roberto: Está no roteiro para a próxima reunião.)
Ahahahah! Ahahah! Quem sabe.
(Sr. Guerreiro: Pelo menos em certo momento seria indispensável que o senhor considerasse isso.)
Tinha a vantagem seguinte: é que o que eu estou dizendo, de um lado é tão real, mas de outro lado parece tão diferente da realidade como todo o mundo diz vê-la, que consolida a crença no que eu digo, explicar como é que isso chegou a ser assim, qual é o aparelhamento que mantém isso assim.
Não sei se me exprimi bem?
(Sr. Guerreiro: […] Um dos maiores fotógrafos da atualidade diz que a fotografia verdadeira é aquela que é o ângulo que o homem procura é movido por um princípio ideológico, social ou político.)
Veja que interessante. Veja que interessante.
(Sr. Guerreiro: É um grande fotógrafo.)
Veja que interessante.
Ele não quis dizer que esse ideológico continha o religioso, o metafísico, etc. Mas é isso. Não é só isso, mas é também isso.
(Sr. Guerreiro: É muito impressionante.)
Muito! Se você pudesse na próxima reunião trazer esse recorte seria interessante.
(Sr. Guerreiro: Toca um pouco nessa questão.)
Toca, toca, e evidente.
O Átila me trouxe um álbum que eu não sei que fim levou, com fotografias tiradas pelos carismáticos de Paris…
(Cel. Poli: Foi uma fotografia que ele trouxe…)
Não, é um álbum, um albunzinho desse de turista. Agora, há uns 15 dias atrás ele me trouxe isso. Quer dizer, trouxe é o modo de dizer, ele me deu uns dias atrás uma coisa que ele trouxe para mim da Europa.
Quem sabe se você poderia assumir a tarefa de perguntar se estará com o Sepúlveda, se foi parar lá embaixo com os álbuns, onde é que está.
Eu queria mostrar aqui uma coisa curiosíssima. Ele, entre outras coisas, esse homem…
(Cel. Poli: O senhor quer que eu procure agora?)
Ah, não, não, poder ser para a próxima reunião. O Sepúlveda deve estar no oitavo ou décimo sono.
* Através de fotografias, por exemplo, quanta coisa se pode insinuar sem dizer, imobilizar a cabeça dos homens sem eles perceberem
Mas o que eu queria dizer é o seguinte: entre muitas outras fotografias, ele dá duas ou três fotografias de grades de ferro, portanto comuns. São grades bonitas, gosto francês, muito bonitas. Mas não é isso, é que ele fotografa essas grades de um tal modo, que você diria quase que elas têm vida, mas mostrando o que uma fotografia é capaz nesse sentido, e, portanto, também do que a palavra humana é capaz, e do que outras coisas são capazes, e quanta coisa se pode insinuar sem dizer, imobilizar a cabeça dos homens sem eles perceberem, é uma coisa fabulosa. É todo um setor da arte que se desenvolve.
Mas por exemplo, quando vocês eram mocinhos, se vocês manifestassem interesses por essa coisa, debaixo desse ponto de vista, ficavam excomungados.
(Sr. –: O senhor poderia continuar tratando desse isolamento do senhor, por onde o senhor percebia que aquilo terminava na Idade Média…)
E a idade detestada por todos.
(Sr. Gonzalo: E como seguiu esse processo? Porque a coisa estava mostrando o isolamento, fruto dessa correspondência pela qual o senhor chegou à conclusão que a Idade Média era a idade onde esse relacionamento humano era assim, mas como…)
* Eu percebia que assim como a Idade Média foi uma época total, no sentido de que umas certas verdades impregnaram tudo, assim também se caminhava para o rumo oposto à Idade Média
Não, não era só isto, tinha isto, mas é uma outra coisa. É que eu percebia que essa fuga correndo de dentro da Idade Média, tinha um rumo oposto e que assim como a Idade Média foi uma época total, no sentido de que umas certas verdades impregnaram tudo, e delas se deduziu tudo, assim também se caminhava para o rumo oposto à Idade Média; uma contra-Idade Média, que na natureza, na lógica de tudo que eu pensava, não podia deixar de ser uma coisa do demônio. Não, não podia deixar de ser.
Então a propensão que se fez dia rapidamente no meu espírito, da obrigação de combater por Deus contra o demônio. Agora, tudo isso no silêncio da minha alma. Mas com a idéia de que esse silêncio de minha alma, era um estado de violência em que eu me encontrava, porque, se o estado natural do homem medieval era aquele, eu, medieval em todo o meu ser, estava num estado de violência exilado pior do que Robson Crusoé na Sãopaulinho onde eu via que ainda havia tradições, mas que ia se derretendo como um sorvete no sol, e aquilo ia… De longe eu já sentia a marcha do jazz que se aproximava, e sentia todas as transformações que iam se dando: o divórcio que ia entrando, etc., etc., eu tudo isso eu sentia.
* A alma humana só tem toda sua beleza, e só é capaz de toda virtude, na medida em que ela é casta. A embaixada do inferno na terra, era a casa de prostituição
Eu tinha muita noção da coesão de todas as virtudes católicas uma com as outras, mas eu atribuía assim um primado à castidade porque me parecia — eu tinha, aliás, toda razão nisso — que a alma humana só tem toda sua beleza, e só é capaz de toda virtude, na medida em que ela é casta. Tirou castidade, começa esboroar-se aquilo de todos os lados. Donde então, a embaixada do inferno na terra era a casa de prostituição. E depois é mesmo! A embaixada do inferno na terra é a casa de prostituição. A embaixadora era a prostituta, mas o embaixador era o rapaz que freqüenta casa de prostituição.
* Eu via um agonizante esperar a visita de um cadáver. O agonizante era o mundo no qual eu vivia, o cadáver era a influência hollywoodiana que ia dar a esse agonizante os pontapés finais
E eu me dizia a mim mesmo:
“Eu vejo aqui com os meus parentes, se fosse pegar uma prostituta dessa e trazer para essa casa, aqui para minha casa, sentar-se aqui nesses móveis, uma prostituta, as senhoras fugiriam espavoridas, os homens metiam essas prostitutas a pontapé para fora de casa. Depois a reunião acabava, era um tal horror, que só se encontrariam no dia seguinte.” Está bom, mas essas senhoras todas sabem que quando esses homens não estão nos braços delas, estão nos braços dessas prostitutas. E elas querem que os filhos freqüentem as prostitutas. Agora, um homem que freqüenta prostitutas, se prostitui. Que seriedade tem na cabeça delas essa contradição?”
A verdade é isso! Santo Agostinho tem essa frase: “O homem que freqüenta prostitutas é um prostituído”. É evidente! Como é que se pode negar uma coisa dessas?
Então, que consistência tem o que ainda há de moralizado nesse mundo? Isso já acabou! Eu estou vendo um agonizante esperar a visita de um cadáver. O agonizante é o mundo no qual eu vivo, o cadáver é a influência hollywoodiana que vai dar a esse agonizante os pontapés finais.
(Sr. Guerreiro: Isso no tempo do senhor.)
Naquele tempo, hein! Você imagina como são as coisas!
Isso tudo posto, ia formando a idéia então de que além da Igreja Católica, onde se podia encontrar essa harmonia seria nas almas congêneres, e essas almas congêneres não existiam.
Alguém dirá: “não, porque haviam muitas moças castas no seu tempo”.
Eram, elas se casavam virgens, mas não davam a essa virgindade a menor importância.
(Sr. P. Roberto: E não tinha relação com esse ponto que….)
Nada, nada!
(Sr. Guerreiro: Cegas para esse mundo.)
É exatamente. Elas viviam para isso e está acabado.
(Sr. Guerreiro: E sem nenhum discernimento para esse horizonte todo.)
É isso, exatamente…
(…)
(Sr. Gonzalo: … e vendo a barbaridade de todo o mundo indo para frente, manter-se fiel, de onde que essa força vinha?)
É a graça.
(Sr. Gonzalo: O senhor tem razão, mas é um tipo de graça muito especial. […] Isso exige uma tal firmeza, que um homem de aço seria um sorvete ao lado do senhor. Aí deve ser uma união com Nosso Senhor Jesus Cristo, uma coisa que o senhor deve ter tido, uma coisa nessa linha, que pode explicar, porque senão não explica isso.)
O problema não se punha para mim, e depois não se pôs. Não se punha para mim, porque eu raciocinava a la fräulein Mathilde: “se eu não fizer isso eu peco mortalmente. Eu não estou fazendo portanto senão evitar o pecado mortal, o grau mais reles da virtude é evitar o pecado mortal. Portanto, eu não estou fazendo outra coisa senão cumprindo um dever mais elementar, e portanto o que eu estou fazendo é comum.”
(Sr. Gonzalo: O senhor não se dá conta que isso é totalmente único? É extraordinário!)
Ahahah! Eu estou ouvindo você falar como um pai ouve falar um filho, com todo acatamento, com todo afeto, etc., mas o problema que você põe eu vejo que existe, mas eu não tenho o direito de pensar sobre esse problema, porque implica numa espécie de auto-elogio, e eu não posso fazer isso.
(Sr. Guerreiro: O problema que isso traz é o seguinte: a História chegou a um tal grau de descolamento dos desígnios de Deus, não só descolamento, mas de confronto com os desígnios de Deus…)
É afrontar a Deus à pedradas!
(Sr. Guerreiro: Recapitulando todos esses entendimentos que o senhor teve desde menino, e suas atitudes morais diante disso, de fé e de amor e de ódio…)
A pedido de vocês, eu não tomei iniciativa.
(Sr. Guerreiro: Claro. De tal modo os 80 anos de luta do senhor dão a isto tudo uma tal estatura, e posto a necessidade da TFP ter uma escola, e todo patrimônio que o senhor formou seja legado à TFP para que o Reino de Maria tenha continuidade, e todo esplendor que Nossa Senhora tem em vista com ele, eu não sei se o senhor compreende que se o senhor coloca uma cancela nesse momento, nessa estrada, a gente fica apenas nos prolegômenos da História do Reino de Maria, e depois, das graças que Nossa Senhora deu ao senhor e toda sua História. Nós não estamos chegando num momento em que esta cancela tão recomendada pelos santos, posta a situação da Igreja e posto todo o passado de luta do senhor… como é que o senhor remontou à Idade Média, e esta integridade, e esta totalidade da virtude, essa reconstrução de todo passado, aí entra algo tão prodigioso que até pedimos perdão ao senhor, por não tratarmos dessa matéria com toda gravidade e o amor que nós devíamos tratar, mas como são filhos meio fracotes que o senhor tem, não obstante isso, é razoável que se coloque a pergunta. Não sei se o senhor compreende.)
(Sr. Guerreiro: Então, como nós não temos nem a alma limpa, nem o coração reto, e nem inteligência inteiramente clara para penetrar nesse mundo com acerto, se o senhor não entrar um pouco nisso, nós continuaremos na ignorância e na maldade em que estamos. […] Nós aqui é toda a TFP.)
É a TFP.
(Sr. Guerreiro: Nós aqui somos um seguimento da TFP, e nós temos noção de que o senhor faz essas reuniões para a TFP. Nós, cada um individualmente, estamos aqui um pouco ao acaso, o que é importante é que o senhor possa tratar desse assunto. […] Se o senhor não tratar disso antes da gruta do Cornélio…)
Vamos fazer o seguinte: eu continuo a falar um pouco, e daí há pouco eu dou uma resposta. E aí tratamos do assunto.
* Em certo sentido o isolamento do Senhor Doutor Plinio em menino continua aos 83 anos.
Agora, então prosseguindo. Para a vida em condições normais, a condição fundamental é conhecer almas assim e estabelecer com elas um convívio na base disso. Porque tudo que não for isso é exílio. E aí dá-se o fato que eu menciono muito de passagem, porque creio que já falei a vocês. É que a Sãopaulinho era muito fechada em classes, e que eu não percebia isso. Quer dizer, eu notava assim, no convívio, que isto existia, mas era muito menino e todas as repercussões disso eu não calculava bem. Donde eu chegava a conclusão de que todas as classes sociais de São Paulo tinham a mesma mentalidade que a minha classe, e que todo menino qualquer, de São Paulo e qualquer canto, era o que era um menino de minha classe. E o menino de minha classe eu acabo de descrever.
De maneira que para mim, a cidade de São Paulo toda, o Brasil todo, o mundo todo era composto de meninos assim. E meu apostolado devia consistir em descobrir algum menino no qual houvesse a possibilidade de uma coisa dessas pegar, de poder se conversar sobre isso, de poder se ter um contato sobre isso. E isto eu procurei, procurei, procurei, absolutamente não encontrei nenhum.
(…)
Em 1928 mais ou menos eu conheço o movimento mariano. Bem, esse exílio reduziu-se um pouco, mas…
(Sr. Gonzalo: Até o dia de hoje o exílio continua o mesmo.)
Quer dizer, eu soube outro dia com surpresa, que eu não imaginava, soube pelo Luizinho, que ficou muito perturbado quando viu que eu não sabia, que essas reuniões da noite são espalhadas para toda a TFP. Eu não tinha noção disso, eu tinha impressão que elas ficavam só para nós. Eu pergunto: que bem fazem?
(Cel. Poli: Faz um bem extraordinário, mas é para uma faixa do Grupo, não é para toda TFP que é passado.)
Eu não percebi. Eu não percebi.
(Cel. Poli: Infelizmente a faixa que está mais perto do senhor, não se beneficia. O senhor não vê que para os êremos faz muito bem isso?)
Faz, mas eu devo dizer o seguinte: que é porque está ali o João, porque se fosse ação direta dessas palavras sobre aqueles rapazes, estava em zero.
(Cel. Poli: É assim mesmo. E o senhor conclui o quê?)
Que esse isolamento, em certo sentido, continua.
* Tudo isso que eu conto transparece em mim e os inimigos dão conta. Como é que meus filhos não vêem?
Agora, vejam o círculo vicioso — meu filho, agora eu respondo a você — vejam o círculo vicioso.
Isso tudo sobre mim, que eu estou contando a vocês porque vocês pediram e pediram com aplicação, com insistência…
(Sr. P. Roberto: Suplicamos.)
Suplicaram. E eu de muito bom grado faço, estou contando e tudo mais. Isto tudo que eu conto forçosamente transparece em mim, porque em todo homem transparece aquilo que ele é. Sobretudo, quando o homem se transforma no arauto do que há dentro dele…
(Cel. Poli: E que os inimigos se dão conta que isso é assim.)
Os inimigos se dão conta que isso é assim, e odeiam…
(Cel. Poli: O ódio dos inimigos é o atestado de que eles vêem.)
Como é que os meus filhos não vêem? E não só não vêem, mas é conveniente que notem que não vendo assim, as explicações teóricas não resolvem o caso. Melhoram mas não resolvem.
Eu pergunto: eu serei tão diferente daquilo que é meu eu interior que não dava para imaginar que esse seja eu? É uma pergunta que se impõe.
(Cel. Poli: Eu comparo com respeito, mas isso se verificou com Nosso Senhor também.)
Sim, pode se dizer que é, vamos dizer, no seguir de um modo não apenas reverente mas adorativo as pegadas d’Ele, isso acontece a quem segue às pegadas d’Ele. Mas o mistério fica.
* Os medievais souberam “encumbrar” os seus modelos
Bom, mas no que é que esse mistério não era assim na Idade Média?
(Sr. Gonzalo: Não sei…)
O que é que vai sair aí, meu Gonzalo?
(Sr. Gonzalo: Se o senhor existisse na Idade Média, eu acho que as pessoas não veriam o senhor não. Acho que o medieval não veria o senhor inteiro não.)
Eles tiveram modelos muito mais altos, tiveram Carlos Magno, tiveram São Bernardo, tiveram uma série de outros, e souberam “encumbrar”.
(Sr. Gonzalo: Os modelos que tiveram eles souberam, mas se tivessem o senhor… Eu acho que para ver o senhor é preciso uma outra coisa que os medievais também não tiveram, que isso vai ser a graça do Reino de Maria propriamente. Tem mistério do demônio, etc., mas também entram coisas de Nossa Senhora.)
Não sei, o fato é o seguinte: é que aqui com vocês, eu percebo que vale a pena fazer essas reuniões, mas até que ponto as sementes produzem realmente a árvore que deveria sair? Eu não sei bem. E nem vocês também sabem muito bem.
Não é isso, meu Horácio?
* Há um mistério no fato de me sendo dado falar a vocês, e nas pessoas de vocês à toda TFP, tudo continua como dantes no quartel de Abrantes
(Sr. Horácio: Para mim é um mistério também como é que o senhor conta toda essa história e nós não amamos essa história e esse amor não nos transforma.)
Mas é um mistério. Vocês ouvem… Vamos dizer que a união entre nós, de algum modo, cresce. A gente tomando quais eram nossas relações quando começaram essas relações e como são hoje, não há dúvida de que houve um certo crescimento nessa união, mas é um crescimento muito menor do que poderia ser.
(Sr. P. Roberto: O Grand-Retour teria que vir nessa linha.)
É essa a linha do Grand-Retour. Mas há uma qualquer coisa — o Guerreiro falou em cancela — uma cancela qualquer misteriosa, que existindo todas essas condições, e me sendo dado falar a vocês, e nas pessoas de vocês à toda TFP, tudo continua como dantes no quartel de Abrantes.
(Cel. Poli: […] Eu pergunto se dado a vocação do senhor de formar uma nova era, quem se abre para o senhor, quem vê ao senhor, necessariamente não pode continuar como estava…)
Mas continua!
(Cel. Poli: Portanto se continua, é porque fecha os olhos para não ver o senhor.)
É isso.
* O que vocês devem renunciar, no fundo, é uma Hollywood piorada, que é o mundo com o misto de Hollywood que tem mais a 4ª e 5ª Revolução que estão entrando
(Cel. Poli: Então é preciso uma graça da gente renunciar o que nós somos, para poder ver o que o senhor é.)
Vocês devem renunciar — não estranhem de eu dizer — no fundo, é uma Hollywood transformada, piorada…
(Sr. Gonzalo: Nem sequer é a própria.)
Quer dizer, é a própria, mais ela mesmo do que ela foi. Pior! No fundo é isso.
(Sr. Horácio: Como seria essa Hollywood transformada?)
A Hollywood piorada é o mundo com o misto de Hollywood que tem mais a quarta e quinta Revolução que estão entrando.
(Sr. Guerreiro: Aliás, o senhor está falando de Hollywood…)
[É o lugar recente] daquele caos.
(Sr. Guerreiro: E a Hollywood do momento trabalha para isso, e os temas deles são desse mundo preternatural.)
* Nós estamos entrando na 4ª e 5ª Revolução, como está previsto, e isto não nos comove, não nos move, não nos espanta, não nos admira nem nada
E nós estamos entrando na quarte e quinta Revolução, como está previsto, e isso não nos comove, não nos move, não nos espanta, não nos admira nem nada.
(Sr. Gonzalo: Enquanto não há uma participação dessa segunda vida, disso que o senhor está falando agora, do senhor para nós, eu acho que é impossível que a questão se resolva. Porque o pecado de Revolução como que colocou as condições de maneira que a não ser que isso, por uma graça do Grand-Retour passe, senão nós vamos continuar vendo o senhor na primeira vida: um lance político, tatatatá. Mas esse que é o núcleo da alma do senhor, isso eu acho que não é permitido aos homens que têm pecado de Revolução. E que só o Grand-Retour poderá abrir isso. Mas enquanto isso não se dê…)
Há 80 anos que eu espero isso.
(Sr. Gonzalo: Enquanto isso não se dê, a gente não consegue. O senhor está mostrando esse mundo, para em determinado momento Nossa Senhora… mas não é com nossas mãos que vamos mexer nisso. É a impressão que eu tenho.)
* É preciso tomar cuidado com a inocentação da culpa
Meu filho, há algo de verdade no que você disse. Mas esse algo de verdade é preciso tomar com cuidado para não ser uma inocentação da culpa. Porque tomado assim, dá inocentação da culpa.
Você tem uma visão disso, tomando os apóstolos antes da morte de Nosso Senhor. Eles de algum modo amavam Nosso Senhor, mas amavam daquele jeito que você sabe. Agora, o fato concreto é que eles nisto foram culpados, e tanto é que foram culpados que você vê, por exemplo, São Pedro até que ponto chorou o seu próprio pecado. Ele não choraria se não tivesse tido culpa. Agora, acontece que veio pentecostes, e isso se transformou.
Então, houve por uma interferência do Divino Espírito Santo prometida por Ele, por Nosso Senhor, houve uma transformação do gênero da que você acaba de referir, e essa transformação deu-se precisamente porque veio o agente sobrenatural extraordinário que desencadeou uma situação nova. Mas não deixa de ser verdade, que a culpa dos que vieram antes foi muito grande.
Não sei se está claro como é que vem a propósito isso?
* Nós preferimos olhar a podridão dos pântanos do que ver a beleza do sol
(Cel. Poli: Qual era a causa última dessa culpa.)
A gente vê que era, meu filho, uma adesão deles ao que seria a Revolução naquele tempo, quer dizer, o paganismo, o mundo pagão.
(Cel. Poli: Nós temos uma atração por uma luz, devíamos caminhar nessa direção, mas temos amarras, temos correntes, que nós poderíamos tirar essas correntes, mas não tiramos. Resultado: nós não podemos avançar…)
Isso é uma inocentação.
(Cel. Poli: Nós temos culpa em não largar as correntes…)
Então a metáfora das correntes é perigosa, porque a gente, quando menos espera, está se inocentando: porque está amarrado.
(Cel. Poli: É uma corrente voluntária.)
Eu acho que se poderia fazer de outra maneira: tem uma luz que toca para um lado, e é uma luz saudável, bela, matutina, etc., etc., e tem uma luz desses fogos fátuos que se desprendem da podridão dos pântanos, etc., e que sobe do outro lado. E a gente prefere olhar para o pântano com as suas luzes do que para o sol.
(Sr. Paulo Henrique: E pagamos caro por isso…)
Ah sim!
(Sr. Paulo Henrique: Porque sentimos uma dilaceração…)
A dilaceração vocês sentiriam no momento em que rompessem com o fogo fátuo. Na hora de romper com o sol, entram os anestésicos.
(Sr. Paulo Henrique: Com a luz do sol não provocaria…)
Nada, porque entram logo os anestésicos: “é gostoso! Todos fazem! Não é possível agüentar!” e daí para fora.
(Sr. Guerreiro: […] Por que é que Nosso Senhor quis esperar a ressurreição d’Ele para só depois mandar o Espírito Santo? Isso obedece a que princípio divino na linha da realização do reino que Ele tinha em vista?)
Eu seria levado a explicar da seguinte maneira: Ele pagou o preço, mas com um resgate superabundante, de nos deixar estarrecidos, e pagando esse preço, veio aquilo que não se podia imaginar. E ainda assim, a Mãe d’Ele, agiu como co-redentora.
(Sr. Guerreiro: Co-autora dessas graças.)
Não, Ela é chamada co-redentora.
Quer dizer, é assim.
* Haverá um momento em que Nossa Senhora declarará que o tormento para a Igreja cessou, e que amanheceu a aurora, e que Ela manda as graças e que tudo muda
(Sr. Guerreiro: Com essa matéria-prima, fica-se com a impressão de que não é possível chegar ao objetivo que o senhor tem em vista, e que a Providência deseja.)
Não, entra aqui o que tem de verdade no que disse o Gonzalo. Haverá um momento em que Nossa Senhora declarará que o tormento para a Igreja Católica cessou, e que amanheceu a aurora, e que Ela manda as graças e que tudo muda: Emitte spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terrae.
(Sr. Guerreiro: Então se poderia perguntar se esse Grand-Retour, ele não tem que vir para nós através da pessoa do senhor, e se o desencadear dessas graças […] Esse Grand-Retour não se abriria para nós na medida em que nós procurássemos conhecer mais todo esse mundo que é no fundo o mundo das relações da Providência e de Nossa Senhora com o senhor e do senhor com Nosso Senhor? […] Pelo menos para nós isso está ficando cada vez mais claro.)
O Grand-Retour, meu filho — estou certo que você pensa assim, como eu vou dizer, eu apenas estou retificando para os que ouvirem a fita — o Grand-Retour, Grand-Retour, como todas as graças e todos os bens vem por meio de Nossa Senhora; Nossa Senhora pode escolher canais secundários, por meio dos quais, Ela, pode vir para os homens… Foi isso que você quis dizer.
Mas a questão é a seguinte: é que há certas coisas muito difíceis da gente conseguir formular…
(…)
* O pecado de Revolução leva a uma espécie de cegueira do que há de mais belo e mais bonito, de mais sublime, e a uma espécie de ódio de querer destruir aquilo para viver sem aquilo
… mas a cavalaria estava em decadência, e os mouros já não representavam um verdadeiro perigo, etc., etc. — o protestantismo estava para estourar — mas os mouros não representavam um verdadeiro perigo, etc. e eles então pediram ao rei que fossem libertados da obrigação de morar naquele castelo, porque eles se sentiriam muito mais à vontade indo morar com as suas famílias, nas cidades.
O rei dispensou, mas alguns dos cavaleiros pediram licença para trabalharem como trabalhadores manuais, na demolição daquele castelo que eles odiavam. E destruíram.
O que é que havia na alma daquela gente para pegar um castelo que todo o mundo considerava lindo e odiar desta maneira?
Este estado de espírito que é o pecado de Revolução tomado na sua hediondez horrível, esse estado de espírito leva a pessoa a uma espécie de cegueira, precisamente do que há de mais belo e mais bonito, de mais sublime, e a uma espécie de ódio de querer destruir aquilo para viver sem aquilo.
E é isto que leva os meus filhos a não verem em mim, a raiz da minha obra. Isto aparece em mim como a beleza de São Luís aparecia no castelo do Louvre. Comparando coisas muito desiguais. O castelo de um homem santo como São Luís e a mim. Mas de qualquer forma, de qualquer forma, aqui está a questão: há um certo grau da virtude, há um certo grau da beleza, há um certo grau da bondade —verum, bonum, pulchrum — que colocado diante de um certo grau de torpeza, produz, uma coisa assim à maneira de arco voltaico. Mas é um arco voltaico das trevas, e não de luz. E o sujeito não quer aquilo. É patente!
(Sr. Gonzalo: Está claríssimo! Não tem dúvida que aí entra um pacto com o demônio mesmo.)
Mas é isso, meu filho…
(…)
* Há intrinsecamente no verum, bonum, pulchrum, quando chegam a um determinado grau, algo que a natureza, ferida pelo pecado original, execra e que daí é a fonte da Revolução
Portanto nós devemos concluir que há intrinsecamente no verum, bonum, pulchrum, quando chegam a um determinado grau, algo que a natureza, ferida pelo pecado original, execra e que daí é a [fonte] da Revolução. Naturalmente o demônio agrava isso, favorece essa disposição de todo modo, mas a raiz dela é uma raiz que está no homem, e que esta antipatia posta assim, é capaz de fazer todas loucuras.
Diga, meu Gonzalo.
(Sr. Gonzalo: A pessoa não sendo inocente, pode aderir inteiramente essa luz ou não?)
Na medida em que der a primeiro adesão, a inocência vai se restabelecendo. Porque isso é o suco da inocência.
(Sr. Gonzalo: parece que o pressuposto disso é ver essa luz, que essa luz restaura a inocência.)
Certo.
(Sr. Gonzalo: A inocência faria o papel de fundamento desse prédio.)
Isso.
(Sr. Gonzalo: […] Recuperar esse ponto daria uma inocência de alma que daí o convívio e o contato pode aumentar-se…)
É perfeitamente isso.
(Sr. Gonzalo: O primeiro objeto dessa luz seria a inocência.)
Inocência é o nome dessa luz.
(Sr. Guerreiro: Isso fica muito claro, mas a questão que perdura é: que uma vez que estamos nessa situação, e o Grand-Retour deve resolver esse problema, por que é que esse Grand-Retour não pode ser apressado na medida em que nós conheçamos alguns mistérios que explicariam toda a questão do profetismo, Deus criando o profetismo na História.)
Você veja isso, por exemplo, meu filho, para mim é uma coisa completamente incompreensível, é tendo sido organizado o conjunto de previsões da TFP no “Legionário” e no “Catolicismo” e sendo apresentado uma grande parte delas para o público, eu vi isto ser dado nas reuniões dos médicos e ser recebido com um pequeno interessezinho no começo, ao cabo de umas duas reuniões, aquilo morrer. Mas simplesmente! É porque eles sabem, nós sabemos que aquilo é assim, que está nos jornais, etc., etc., nós sabemos disso. Mas a questão é que embora saibamos, nós vemos na presença dessa previsão entre nós um tal grau de beleza do “Louvre de São Luís”, que… Porque não tem outra explicação.
Por que é que me olha, meu Horácio?
(Sr. Horácio: É assim.)
É assim!
(…)
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