Conversa de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) – 19/10/91 – Sábado – p. 12 de 12

Conversa de Sábado à Noite (Alagoas, 1º andar) — 19/10/91 — Sábado

A definição de temperamento * O elemento mais rico do regionalismo é a herditariedade dos equilíbrios (ou desequilíbrios) temperamentais numa família, numa região, numa nação * A Igreja Católica é um céu, é um mundo que não permite o atrofiamento de nenhuma parte do temperamento * As épocas históricas, como até certo ponto as idades dentro do homem, têm posições temperamentais específicas * A primeira conquista da Revolução foi nos temperamentos * Na fidelidade à doutrina do temperamento está o nervo da vida e da duração do Reino de Maria * A santificação supõe uma correção do temperamento, eliminando os apegos e as fobias * Mons. Matulionis: um temperamento enérgico dominando-se continuamente para não resvalar o pé rumo ao abismo da moleza

(Sr. Guerreiro: Nós gostaríamos que o senhor continuasse a explicitar todo o campo a respeito do temperamento, do papel da perfeita constituição biofísica influenciando o temperamento; a gente vê que a santificação, e muito do que deve ser o Reino de Maria, a questão do tal enquanto tal fica mais vivo, mais concreto. Quer dizer, todo o papel no fundo do temperamento do senhor, na medida em que ele for bem compreendido, nesse temperamento está tudo isso que nós estamos falando.)

(Sr. Gonzalo: Nós não recebemos na instrução religiosa que tivemos nenhum ensinamento sobre esse ponto. Era como se para a santificação o temperamento fosse indiferente. E aqui tratar-se-ia de pedir ao senhor para explicitar essa questão, porque ordenando o temperamento a virtude toma outra proporção.)

Não tem dúvida nenhuma.

(Sr. Gonzalo: Daí o pedido, para o chão ficar bem claro, para se entender bem ao senhor.)

* O temperamento é uma forma de reatividade da sensibilidade humana diante das impressões deleitáveis ou rejeitáveis que o homem encontra

Agora, acho que seria preciso aí começar por nos entendermos bem sobre o sentido da palavra temperamento. Em nenhum momento da exposição que eu fiz em Amparo, eu não defini o que é temperamento, não tratei da questão. Porque não vinha a propósito entrar nisto que é um pormenor do tema, no quadro da exposição de Amparo. Mas, seria preciso examinar agora…

(Sr. Gonzalo: Apenas uma coisinha: isso vem a propósito da importância que o senhor à união no fluxo temperamental do senhor.)

Não tem dúvida. Mas, também fluxo temperamental, o que é que é?

Em que sentido eu empreguei a palavra “temperamento”, em que sentido a linguagem comum emprega a palavra “temperamento”? Porque eu entendi aplicá-la no sentido que a linguagem comum atribui à palavra. Mas, como a linguagem comum atribui à palavra um certo sentido e não o define, é interessante defini-lo no momento.

O temperamento acaba sendo uma determinada forma de reatividade da sensibilidade humana diante das impressões deleitáveis ou rejeitáveis que o homem encontra. Mas de tal maneira que as reações são análogas. Mas, como análogas que são, são muito correlatas em face de uma má notícia, ou de uma coisa desagradável para comer, ou de um banho por demais frio ou demais quente para tomar, ou para qualquer coisa na ordem espiritual e na ordem material, o homem tendo na sua sensibilidade moral, na sua sensibilidade intelectiva para as coisas do espírito e para as coisas da carne uma mesma reação — nós entendemos o que é o temperamento.

* É uma reação condicionada à constituição nervosa do indivíduo

É, portanto, uma reação que pode variar ao infinito, condicionadamente com os nervos que a pessoa tem. O sistema nervoso biologicamente considerado é de uma grande importância para isso. E o homem tem um sistema nervoso tal que tem recursos nervosos para reagir diante de qualquer espécie de coisa que lhe toca. E reagir de modo adaptado, adequado ao tipo de sensação que a coisa provoca nele. Então, todas as sensações possíveis o homem tem a capacidade de receber. E tem um determinado modo de reagir diante delas conforme o sistema nervoso que ele possui.

Eu insisto: quer se trate de fatos ou de provocações de ordem intelectiva, na linha da alma, quer coisa que esteja na linha do corpo. A sensibilidade recebe um determinado toque, e ela toda vibra de acordo com esse toque.

* A vitalidade do homem condiciona profundamente o temperamento

Agora, eu tenho a impressão — nunca estudei essas coisas — a impressão que eu tenho é de que a amplitude… Vamos dizer a coisa assim: a vitalidade do homem é de si uma coisa distinta do temperamento, mas que condiciona profundamente o temperamento.

(Sr. Guerreiro: O temperamento com sua vitalidade, ou a vitalidade com seu temperamento.)

Uma coisa condiciona a outra, no seguinte sentido. Quando o sujeito tem muita vitalidade, ele tem pano para manga para vibrar adequadamente a todas as formas de reações que ele receba. Agora, quando ele não tem pano para manga, quer dizer, tem uma vitalidade insuficiente, ele é obrigado a recorrer a emotividades análogas àquela, para suportar o baque que ele leva.

* As distintas reações temperamentais do homem bonachão e do homem misantropo diante de uma boa notícia (por ex., ficar rico de repente)

Vamos dizer, por exemplo, um homem que é um homem pobre, e que de repente recebe a informação de que inesperadamente um tio-avô dele que morreu na Rodésia, ou sei lá, em Quênia, em Quilimandjaro, sei lá onde, deixou para ele uma fortuna colossal. Já foram pagos os impostos de transmissão, etc., ele tem depositado no banco tal. O banco pergunta a ele o que é para fazer com aquilo.

Ele recebe essa notícia de enxurrada. Essa notícia pode produzir no homem, se ele é por exemplo bonachão, pode produzir uma alegria exuberante, ele fica contente, dá risada, se comunica, etc., etc. Se ele é, pelo contrário, um homem de temperamento ácido, rebarbativo, e seco, desses homens assim que tem a boca para frente, queixo afundado para trás, e às vezes é o tipo inteiro disso: a fronte tem uma saliência exagerada em relação ao que vem aqui, e o queixo ainda é mais afundado do que aqui. De maneira que forma uma casa com três andares, sucessivamente menores, assim… Cabelo muito liso, não muito abundante, e fisionomia parada. Esses homens assim meio misantrópicos.

Ele recebe a notícia, a primeira sugestão que o temperamento lhe dá é: “Cuidado que vão roubar!” A primeira sugestão de um, é: “Que gostoso, você agora vai gozar. Conte para os outros”. O outro é o contrário: “Fique quieto, porque vão roubar! Então tome um avião, não diga para onde você vai, tome um avião, vá para lá, e vá mexer no banco. Porque é capaz de ser mentira, ou é capaz de ser verdade mas ser menos do que está parecendo. Aliás, é provavelmente menos, porque na sua vida tudo sempre deu menos! E depois porque tudo na vida de todo o mundo dá menos. Só dá tanto quanto imaginava quando o sujeito é bobo.”

E desce no lugar ultra desconfiado, com uma maletinha em que ele apertou roupa para dois, três dias, porque provavelmente aquilo é uma aventura que vai durar pouco. Vai para um hoteleco, e do hoteleco ele vai ao banco. Chega no banco e diz: “Eu sou fulano de tal, tenho essa carteira aqui (cara de sexta-feira, como se diz), eu recebi esse telegrama que está aqui. Agora eu vim saber…” Ele não diz o seguinte: “Eu venho então receber meu dinheiro”. Ele diz: “Eu vim saber o que há de real nisso”.

O sujeito também não sorri para ele. Diz: “Sim senhor, o senhor espere um pouquinho aqui, que eu vou trazer a documentação”.

Acontece para esse gênero de gente que o homem vai ver, e telefonam durante isso da casa do homem, dizendo que uma criança quebrou a perna. Então o homem leva meia hora no telefone, depois no médico, e o misantropo fica achando, com o queixo cada vez mais para trás, que é isso, que não é verdade, foi um trote que passaram nele, que o homem vem com prisão para prendê-lo com escroque, etc., etc.

Quando o sujeito chega, e diz a ele: “O senhor me desculpe, mas aconteceu tal coisa assim em minha casa, por isso eu demorei…” Ele diz: “Está aí, a cilada está aí!”

Afinal o sujeito dá para ele a coisa: “Isso é assim, assim, assim”. Ele fica trêmulo, não sabe o que dizer, fica interloqué, sente-se indisposto, o homem pergunta a ele se ele quer um licor, qualquer coisa assim, ele quer porque está vendo como remédio, não é para gozar a vida. Ele quer como remédio. Vem, bebe o licor, depois então diz: “Bem, agora o que é que eu faço desse dinheiro?!”

O homem diz: “Bem, se o senhor quiser deixar aplicado aqui conosco, nós podemos fazer render em juros. O senhor querendo eu vou chamar o diretor de nossa secção de juros, que vai lhe fazer várias propostas de aplicação.”

O homem não entende nenhuma das propostas, diz que vai pensar, à noite ele se deita cedo no hotel, porque está arrasado de sensações e de emoções, não comeu nada de mais gostoso, não bebeu nada de mais gostoso, não foi ver um panorama famoso que tem na cidade, nada! Ele se trancou no quarto — me desculpem o pormenor — mas suado de emoções, se deita, e fica lendo a cartilha para ver que tipo de juros [ele escolhe].

Afinal ele precipita em cima da solução: “Eu vou perguntar se podem mandar esse dinheiro para o Brasil!”

Podem.

Então manda lá para a capital do meu Estado”. Porque fica mais perto possível da cidade do interior onde ele tem a base dele, ele não quer mandar todo esse dinheiro para as agências de banco do interior, porque o diretor do banco da cidade dele é capaz de ser inimigo da família. Então ele deposita na agência de Niterói… Niterói não, porque no Estado do Rio não se passam essas coias… Qualquer outro Estado, não é meu Paulo Roberto?



Esse é o temperamento. O que é que se passou com ele?

* O misantropo não tem o aparelho temperamental para vibrar com as vibrações da alegria

Ele tem uma emotividade que pode cobrir todas as faixas de sensação que estão ligadas a decepções, a amarguras, etc., etc., é um nababo da amargura, ou um nababo da decepção. E tem cordas pobres para a alegria, tem cordas pobres para a bonomia, tem cordas pobres para aquilo que é a satisfação da vida.

Resultado é que ele não sabe gozar aquele fortuna que ele recebeu, da mesma maneira que, por exemplo, um pobre homem cata-cego, a quem se dá um quadro de Watteau, por exemplo, ele vai e esfrega o nariz no quadro para ver se percebe mais ou menos o que tem, fica com alguma idéia, e pendura o quadro na parede. Para ele o quadro não existe mais. Mas, é porque ele não tem o aparelho visual suficiente para ver aquilo. Também não tem aparelho temperamental para vibrar com as várias vibrações da alegria. Ele puxa, porque ele sente que é uma vergonha não se alegrar, ele sente quando afinal os amigos dele souberem que ele ganhou isso, vão fazer uma festa para ele, que obrigará a ele alegrar-se, e que vai ficar feio não se alegrar. Ele percebe que todo o lado pêco dele aparece, e que fica muito mal para ele. E que ele sente de vez em quando que ele é o lado urubu do conjunto de pássaros que voam pela vida. E fica muito envergonhado com isso.

Então começa a treinar para fazer o papel de homem feliz. Então ele manda fazer roupas, ele vai ao Rio de Janeiro, manda fazer roupas no Rio, compra gravatas, se enfarpela, se põe num bom hotel, etc., etc. Mas, a reação dele é assim: entra, por exemplo, no Copacabana, que é um bom hotel, com mármores bonitos, com coisas assim. Ele entra, e diz: “Para que essa besteira toda, não é?” Mas ele pensa: “Eu fiquei rico, e tenho que viver no meio desses ricos. Por quê? Porque os que não eram ricos exigem de mim que viva no meio dos ricos, para abrir uma escotilha para eles subirem também. De maneira que eles querem qe eu venha cá, e quando eu estou aqui eles vêm me visitar aqui. E eu tenho que dar um jantar para eles no “Bife de Ouro” de Copacabana, e não em outro lugar! É no duro! Eu, portanto, tenho que receber a eles alegre, etc., etc.”

Uns sinaizinhos ele dá de vez em quando. Por exemplo, ele vivia de paletó abotoado. Começa de vez em quando a esquecer de abotoar o paletó. Que é um sinal de que ele está um pouco mais aberto para a vida. Assim algumas outras coisas. Ele se arrisca a contar uma tímida piada que ele ouviu, mas que aliás não tem graça, porque foi contada por ele. Mas todo o mundo, como é ele que contou, acha uma graça medonha. Ele fica meio espantado com o estampido da piada dele, porque todo mundo riu, todo mundo achou formidável porque foi ele. Ele fica assim: “Essa gente aí está rindo por quê? Vai ver que estão rindo de mim, por causa de outra coisa”. Porque ele não pode se alegrar muito, porque ele não tem aparelho para alegrar. Ele começa a sacar a vitalidade dele toda canalizada para aquele papel da casa de três andares, para outra vida, até se habituar a ser uma outra pessoa.

Mas, nunca estará tão bem à vontade como quando ele podia ser desconfiado.

Então, a noção da insuficiência como é? Porque ela pode ser aplicada a uma porção de outras circunstâncias. O aparelhamento da insuficiência está indicado. Depois, os efeitos da insuficiência temperamental quais são; o fundo de vitalidade como é que é sacado para ser desviado de um lugar, com abundância de cordas para um lugar com insuficiência de cordas; depois, o relativo êxito que isto pode trazer; mas, no fim, o desajuste irremediável que a coisa traz consigo.

Se quiserem, eu posso exemplificar com outras formas de temperamento. Mas eu acho que isso aqui como exemplo concreto é suficiente para ilustrar a teoria.

Acontece o seguinte. Sempre que um temperamento é muito pobre num lado, ele é super rico de outro lado. Esse tipo, por exemplo, na linha da desconfiança, etc., é riquíssimo. Uma pobre riqueza, não é? É uma riqueza de moedas azinhavradas e envenenadas, mas é dinheiro! É temperamento.

* Os desequilíbrios (ou equilíbrios) temperamentais se herdam numa mesma família, numa mesma região, e até numa mesma nação

Eu quero dizer o seguinte: esses desequilíbrios se herdam numa mesma família, muito frequentemente. E se herdam também numa mesma região, e se herdam numa mesma nação. Pode ser que uma certa nação tenha toda ela um tipo de temperamento. Naturalmente há exceções individuais, fatais. Mas, eu digo como o grosso da nação, tem o mesmo temperamento. Mas, o modo de ter aquele temperamento tem um matiz em cada região dessa nação. Depois, o modo de ter com esse matiz, tem um sub-matiz em cada família. E a meu ver o elemento mais rico do regionalismo é esse. Não são as montanhas, não são os rios, não é a geografia, não é o clima, não é nada. O elemento mais rico é essa transmissão neuro-hereditária que existe, e que é de um determinado modo e não de outro.



* Conhecer uma nova casa é conhecer um mundo, pelo jogo de matizes que ali existe. É a formação do regionalismo

E que faz com que, quando a gente conhece pela primeira vez uma família, vai a casa, a gente tem a impressão de estar conhecendo um mundo. Porque é todo o jogo dos matizes — ainda que seja uma casa da família conhecida da da gente, às vezes pode até ser aparentada, se for parente longe…

(Sr. Gonzalo: A casa diz muito.)

Depois, o velho tio que chega, o modo pelo qual dão parabéns para um homem que entrou e fez um bom negócio, tudo isso indica as coisas… A decoração, como brincam uns com os outros, como se saúdam, como comentam os infortúnios deste conhecido ou daquela, etc., tudo isso junto dá um todo. E isto forma propriamente o regionalismo: da vida do indivíduo, da família, da região e da nação.

Alguém me dirá: “Mas o senhor não acha que a educação tem nisso também um grande papel?”

Eu diria que sim, desde que o meu interlocutor concordasse também que isso tem um grande papel na educação. São fatores interativos. De maneira que essa família educa de um certo modo, e dá um tipo de educação, etc., etc.

* Só a Igreja Católica corresponde à alma inteira; as outras religões têm “careta moral”

Agora, as idéias, as ideologias que papel representam dentro disso?

Quando eu era menor e que estava abrindo os olhos para a vida, etc., etc., me extasiava isto na Igreja Católica: é que em geral, cada religião corresponde a uma meia dúzia de disposições temperamentais. Há uma religião que corresponde à alma inteira: é a Igreja Católica!

Não sei se eu devo explicar isso melhor, ou está claro?

(Sr. Gonzalo: Se o senhor puder explicar…)

Então você toma, por exemplo, a igreja calvinista, tem o temperamento do Calvino. Quer dizer, Calvino é o tipo desse sujeito com cara de três andares, é um calvinista. Resultado: a religião calvinista é tal que, ainda que o sujeito, por razões x, y, z, tenha um temperamento completamente não calvinista, se ele for calvinista e tomar a religião calvinista a sério, ela trabalhará nele para, tanto quanto possível, o fazer calvinista, de maneira a mudar o temperamento dele. E a cada seita protestante corresponde uma careta moral própria. O metodista, ou o evangélico, aquelas coisas todas, têm todas a sua careta moral própria, que é evidentemente horrorosa.

* A Igreja Católica é um céu, é um mundo que não permite o atrofiamento de nenhuma parte do temperamento

Na Igreja Católica, não. Ela é um céu, ela é um mundo. Todos os temperamentos podem viver ali dentro, porque ela é a mãe dos temperamentos. Mas, com essa circunstância muito curiosa: como ela faz vibrar os temperamentos inteiros, ela não permite — eu vou dar depois provas tiradas da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo — ela não permite que nenhuma parte do temperamento fique atrofiada como eu descrevi no calvinista. Porque se o sujeito nasceu com o temperamento calvinista, mas tomou a Igreja Católica a sério, e vê Nosso Senhor Jesus Cristo como Ele foi, quer dizer, como a Igreja o mostra, logo, como Ele foi, uma porção de aspectos da personalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo descalviniza o sujeito tanto quanto ele o queira. Na medida em que ele corresponde à graça, aquilo pode ir longe.

Por quê? Porque a Igreja é santa, porque a santidade está nisso em grande parte, ela é santa, e ela vai apresentando ao indivíduo na vida comum, nos evangelhos de domingo, nas vidas de santos que ele lê, nas pessoas boas com que ele toma contato, em tudo o mais que é próprio da Igreja, e mais ou menos tudo sofre influência da Igreja, ele vai sendo convidado discretamente, com amor, com jeito, para vibrar a respeito daquilo, daquilo, daquilo outro, como deve ser. Todas as festas dos santos ao longo do ano, todas as festas litúrgicas e tudo o mais atuam assim.

* Quando se toma a Igreja a sério, ela nos convida a uma grande harmonia temperamental

E aos poucos vai-se estabelecendo um certo equilíbrio temperamental, quando o sujeito toma a Igreja a sério, naturalmente um católico pífio opõe barreiras a essa ação, mas quando ele é um católico sério é assim, vai abrindo coisas que ele nem percebe. É como mais ou menos um campo sobre o qual nasce o sol: a vegetação e a fauna daquele lugar não têm consciência disso, mas o sol nasce, tudo começa a se esticar, alargar, e estar à vontade. Quando o sol se recolhe, tudo muda de atitude.

E assim é a ação da Igreja. É um dia que tem também noite: a Igreja ensina a repousar. O descanso do bom católico é um descanso de uma tranqüilidade, de um épanouir aberto, estendido, que é uma coisa especial, que as outras religões não têm. Aqueles padres da I.O. com aquelas caras de hipnotizadores, uma coisa horrível… Deixemos de lado, não percamos muito tempo falando deles.

A Igreja é assim, ela tem essas expansões, ela convida a tudo isso, e forma tudo isso. De maneira que a noite da Igreja é quase que uma outra abertura para o maravilhoso. Ela de dia faz o indivíduo ver aquilo que à noite lhe pareceria um sonho. À noite, quando sonha, ele tende a abrir-se para maravilhas mais belas do que o dia. Daí o maravilhoso dos sonhos.

E daí a grande harmonia temperamental a que a Igreja nos convida a todos nós.

Isso eu tenho certeza que não há psiquiatra que diga, que ninguém diz. Infelizmente não há padre que diga. Como teria feito bem a vocês se, quando vocês foram mocinhos, tivessem ouvido um curso, um sermão feito por um padre de prestígio, autoridade, que explicasse isso, e que fizesse sentir, etc., etc.

(Sr. Gonzalo: Como o senhor é católico! Como o temperamento do senhor é católico mesmo!)

Graças a Nossa Senhora é.

(Sr. Gonzalo: Tudo isso que o senhor está dizendo da Igreja, o senhor possui no temperamento do senhor.)

Bem, eu não preciso dizer até que ponto isso é conveniente para a saúde, não é? Saúde é isso.

* As épocas históricas, como até certo ponto as idades dentro do homem, têm posições temperamentais específicas

Agora, a gente fica com uma tendência de falar um pouco demais sobre isso, precisa também… Porque eu tenho vontade de singrar por esses mares…

(Sr. Gonzalo: Nós vamos com o barco do senhor.)

Não, mas é que precisamos dar uma vista de conjunto hoje à noite, porque a vista de conjunto é mais bonita do que qualquer pormenor. De maneira que temos que dar uma vista de conjunto.

Agora, acontece o seguinte. Os temperamentos coletivos como é que se formam? Quer dizer, as épocas históricas de um país, ou de um ciclo de civilização, essas épocas têm também situações temperamentais próprias? O que opinar a esse respeito? Qual é a causa disso, e quais são os efeitos disso?

Eu acho que as épocas históricas têm posições temperamentais específicas. Como até certo ponto as idades dentro do homem têm posições temperamentais específicas também. O que é notório. Não é que haja um temperamento da infância e outro da mocidade, depois outro da idade madura, e da velhice. Isso não. Mas é que há uma velhice que existe no temperamento que foi do moço, que existe no temperamento que foi da criança, que foi do homem maduro, são fatores de ordens diferentes que se entrecruzam muito harmonicamente, porque foram feitos para coexistir. Mas que, quando o indivíduo tem um temperamento para ficar perpetuamente meninão, aquilo dá numa coisa errada. Como também os retardados na maturidade… Porque há gente que se retarda em tudo: retarda na mocidade, retarda em qualquer coisa. São os infelizes da coisa. Os felizes são os que têm no momento oportuno a idade real. Realizam sua idade, e caminham animosamente para a idade seguinte, que é o próprio.

Mas eu tenho impressão que essa ação temperamental, que é processiva, resultava de um processo espontâneo no começo da Idade Média, quando ela começou a se formar, e até chegar a Revolução. Espontâneo em que sentido? Era do homem, da Igreja e de Deus. Como fatores secundários podiam se apresentar inúmeros aspectos da sociedade temporal, mas a sociedade temporal modelada pela Igreja. Mas, não havia uma organização puramente humana e terrena trabalhando para modelar esse temperamento.

* A primeira conquista da Revolução foi nos temperamentos

Agora, quando começou a Revolução, a primeira conquista da Revolução foi de conquistar os temperamentos. Foi o primeiro passo da Revolução. Precisamente ela agiu com muita inteligência nisso, porque a Igreja não percebeu isso. O mandato da Igreja, definido e claro, é de se dar conta da ortodoxia e da sanidade dos costumes. Mas essas mudança temperamentais… (…)

* A falta de perspicácia para o problema do temperamento: Irmã salesiana vê com bons olhos o namoro de suas alunas com rapazes perdidos

Num colégio, a gente vê uma menina… Quando eu vou à Auxiliadora, eu passo sempre por um colégio, até uma vez eu fui paraninfo nesse colégio, um colégio birichino de Irmãs Salesianas, lá no Bom Retirno, ocupa um quarteirão inteiro! E é um colégio enorme, é uma prefeitura. À maneira dos salesianos. É como o Coração de Jesus aqui, ser diretor do Coração de Jesus é ser prefeito de uma cidade. Ali também.

Vocês imaginem que tem o colégio, e tem em frente ao colégio, construído mais ou menos ao mesmo tempo que o colégio, a Escola de Farmácia e Odontologia. Naturalmente, no tempo que foi construído, era em 90% homens, e o resto uma ou outra mocinha, feminista ardida, favorável ao direito de voto, ao divórcio, republicana e socialista que freqüentava a Escola de Farmácia e Odontologia. Mas vocês estão vendo a possibilidade de mil namoricos dos rapazes que entravam na escola e olhavam para as meninas. As meninas olhavam para eles. É uma coisa irremediável.

Alguém dirá: “A bobona da salesiana não viu isso”.

Não, ela pensou outra coisa. Ela pensou: “Pode ser, esses rapazes da Escola de Odontologia e Farmácia são rapazes direitos, que têm uma profissão definida, que vão fazer seus estudos, eu os vejo entrar apressados, com seus livros, saem com seus livros, são rapazes aplicados. São bons casamentos para elas.” É por aí. E ela acha até que é muito bonito quando sai casamento, porque assim as que não ficam freiras — que elas preferem — as que não ficam freiras são desde logo tiradas pelas mãos das freiras dos regaços de suas famílias para as mãos dos seus esposos. Então, toda a vida da aluna salesiana passa-se numa atmosfera salesiana.

Você está vendo que a realidade é totalmente diferente! O rapaz é um sem-vergonha, perdido! Não é porque é da Escola de Odontologia e Farmácia, mas é porque é uma Universidade, é uma Faculdade, todo o mundo se perde nas faculdades.

A gente diria que é uma bobona. Para pegar tudo isso até o fim é preciso um auxílio da graça especial. E o mistério, a meu ver, no estado atual de minhas reflexões sobre o assunto, o mistério está nisso: é que é muito difícil a gente compreender, mas esclarece muita coisa: para castigo da Igreja… [Vira a Fita]

* Na fidelidade à doutrina do temperamento está o nervo da vida e da duração do Reino de Maria

que caíram numa espécie de modorra gordalhona e otimista, e sem zelo nos últimos séculos da Idade Média, o profetismo foi se tornando espesso, de pouca visão do lado da Igreja, e foi tomando uma espécie de profetismo do demônio, as luzes do demônio foram vindo em torrentes do outro lado. Donde uma batalha em que as derrotas do lado bom são quase incontáveis. Mas, você vê sempre que o lado mau conheceu tudo isso, e jogou com tudo. E o lado bom está no mundo da lua.

(Sr. Gonzalo: Agora o lado do bem começa a crescer, e o lado do mal vai desaparecer na Bagarre.)

Exatamente. Agora, então se compreende como é precioso que nós tenhamos escrito e registrado e estudado tudo isso, não porque o indivíduo possa conhecer tudo isso simplesmente estudando, mas porque ajuda enormemente a quem tem apenas fagulhas de profetismo. E pode evitar que o barco corra até não sei onde. Mas, eu creio que será muito mais. E que se os que são meus filhos forem fiéis, poderíamos ter algumas gerações, várias gerações, muitas gerações dotadas de um certo lumen profético suficiente para compreender isso, e saber tocar as coisas nessa linha. E nisso está o nervo da vida e da duração do Reino de Maria.

Porque sem isso, meu filho, você pode entrar com o que quiser de Filosofia, de Teologia, é ótimo, faz muito bem. Mas, se isso for neglingeciado, não pega.

(Sr. Gonzalo: O jogo do senhor é fundamentalmente nesse campo.)

Fundamentalmente. Graças a Nossa Senhora até eu tenho certa facilidade de desenvolver raciocínios, etc., mas fundamentalmente é isso.

* A infidelidade e a traição dão-se na recusa e na deformação da doutrina do temperamento dada pelo SDP

(Sr. Gonzalo: Também a infidelidade se dá nesse ponto.)

Também. A traição… Não preciso completar a palavra. Porque aí que está a questão: a traição também é nesse campo.

(Sr. Gonzalo: Talvez se o senhor pudesse explicar em que sentido?)

No campo temperamental, no conhecimento disso que eu estou dizendo aqui, no pleno proveito, etc., nisto podem entrar pessoas que semi-subconscientemente, ou semi-conscientemente, conforme vocês preferirem tomar, implicadas com a nota tônica e dominante que eu dou à TFP, comecem a rondar, e ver como é que deformam isto nas aulas e cursos disto em que eles vão ser alunos brilhantes, para fazer uma doutrina do temperamento meio diferente, e que encaminha as almas para outras coisas.

Agora, outros podem ser especialmente traidores. Receberam trinta dinheiros, e modelam a coisa para dar no que quer.

(Sr. Gonzalo: Eu entendi que os que até agora traíram, foi por um problema nesse ponto.)

Isso é outra questão. Se vocês quiserem, eu explico uma Reunião de Recortes em função disso. Mas, não pode ser gravado… (…)

* A santificação supõe uma correção do temperamento, eliminando os apegos e as fobias

do problema que você deu, e nós estamos de tal maneira a dois passos da solução, que a coisa vai assim. Por efeito do Pecado Original, hereditariedades, etc., etc., a pessoa nasce, por causa dessas reatividades diferentes, nasce com propensão para apegos, como para fobias. O tal homem que eu falei que tirou dinheiro do banco, não sei o quê, é um conjunto de apegos e fobias que provém disso.

Agora, o difícil é que a educação deveria mostrar ao indivíduo quais são as reações erradas que levam ao fracasso, etc., e que pedem uma correção do temperamento. Ele compreender a raiz temperamental do apego, como a raiz temperamental da fobia, e que é pré-racional. É uma simpatia ou uma antipatia primevas, que levam o indivíduo desde o começo a posições assim. E fazer com que o indivíduo compreenda que ele ou é uma locomotiva com limpa-trilhos na frente, que vai varrendo de lado os apegos, como vai varrendo de lado também as fobias, quer dizer, é preciso uma ação da vontade de caráter ascético para corrigir, porque o indivíduo se convence de que isto é muito ruim, e ele se convence de que não pode santificar-se sem isto, ele está diante dos exemplos da Igreja que não é assim, ele deve ser como a Igreja — ou não tem solução. Simplesmente não tem solução.

* A luta no temperamento não vai sem aceitar de carregar a cruz de Nosso Senhor

Agora, também a vida espiritual é balofa se não consiste essencialmente, ou pelo menos em grande parte, nisso. É estar reconhecendo os caroços, portanto as coisas que não vão bem; estar reconhecendo, de outro lado, as coisas que vão mal, ou que vão bem também, as qualidades, apoiando as qualidades, combatendo os defeitos, fazendo a Contra-Revolução dentro de si mesmo, mas visando o temperamento.

A questão é que essa luta no temperamento dói. Quer dizer, propriamente — você disse bem, o advérbio está muito bem empregado — é específica e capitalmente o que dói. O que dói é isso. Mas essa dor é preciso carregar, é a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Aliás, pela descrição de temperamento que eu dei aos senhores no domingo passado, vocês viram que muita coisa não vai sem carregar cruz. Não vai, não vai, não vai. E outra coisa: não carregar a cruz como um azar que caiu em cima da cabeça, mas amar a cruz: “Eu estou sofrendo, eu devo sofrer, é bom que sofra, eu amo o sofrimento que está me caindo em cima da cabeça!” Está acabado.

Essa é a verdade das coisas. O resto é uma conversa.

* Mons. Matulionis: um temperamento enérgico dominando-se continuamente para não resvalar o pé rumo ao abismo da moleza

Vocês vejam aqui, se quiserem podem acender a luz para verem todos juntos… Essa foto está muito clara, mas eu receio que alguns matizes… porque ver o temperamento depende muito dos matizes. Se eu tivesse previsto, eu teria mandado marcar os quadros. É melhor acender a luz, porque tem algumas coisas que não estão nítidas, absolutamente.

Vamos tomar, por exemplo, essa cara aqui. Aliás, essa está muito nítida. Se eu não me engano, ele já está vestido de Bispo aqui. É um homem no começo da idade madura, pelo que eu interpetro aí. Quer dizer, é um Bispo novo ainda.

Não sei se vocês notam duas coisas curiosas dentro dele. A fotografia faz ver uma extraordinária firmeza de temperamento. Mas, em certos momentos que a gente olha, a gente vê que é um temperamento que pode amolecer de um momento para outro, e não dar nada.

(Sr. Poli: O senhor dizendo fica evidente.)

Quer dizer, é uma luta com outros, com isso, etc., etc., mas com o pé no abismo resvaladio da moleza. Quer dizer, o que é isso? Esse homem foi molíssimo, conserva sempre uma posição de energia muito grande, mas que ele só conserva mediante o preço de uma fidelidade completa. Se ele facilitar um pouquinho ele cai no abismo. Para mim é o grandioso da coisa.

Agora, ele quis aqui dar a idéia do Bispo enérgico. Ele não está fazendo uma representação. Ele acha que o Bispo deve ter essa cara, e ele fez a cara que ele acha que deve ter. Mas, nós vamos ver aqui uma fotografia dele num campo de concentração.

(Sr. Gonzalo: Aqui ele está preso, com uma bengala. [pg.99])

Vocês vêem ele num momento em que é estratégico não se apresentar com essa proa de Bispo enérgico. Então deixa correr o marfim. Mas sente-se que na hora ele não quis fazer o papel que está, mas que ele tem energia.

Bem, mas notem que fidelidade o homem precisava ter para renunciar a fazer a cara, e no fundo o pé não resvalar no abismo. Se eu tivesse que escrever a vida desse homem, eu propriamente faria desse drama de a toda hora cair no abismo ou não, eu faria disso a essência da biografia. Naturalmente precisaria ter muitos elementos biográficos, precisaria ter muita coisa nesse sentido, mas é muito interessante.

Aqui ele está encarcerado, mas com certa liberdade, e já tratado como Bispo. Ele já está tomando outra allure. Vocês estão vendo que é cárcere, olha o tijolo aparente… Pode ser um hospital de prisão.

(Sr. Gonzalo: Diz aqui que está exilado na própria cidade, no quarto da casa paroquial.)

Depois, é praticamente… Altar, mesa e cama no mesmo cômodo. É prisão domiciliar.

Bom, mas já está… Não sei se percebem como esse homem pega todo o seu aparelhamento temperamental e põe à vista como quem acende um holofote, ou apaga como quiser, mas sem resvalar.

Aí poder-se-ia percorrer “n” fotografias, e… Quem é esse?! Espero que não seja ele, porque aí resvalou o pé.

(Sr. Gonzalo: Cônego …., é outro.)

Ah, bom!

(Sr. Gonzalo: Aqui é ele, no seu quarto.)

Esse é ele. Mas aqui já é no quarto da liberdade. É um quarto humano, não é um cárcere.

Olha aqui! No extremo da velhice, mas… tam! Compara com Pio XII…

Bom, meus caros, precisamos ver um pouquinho a hora: são 3:10 do horário novo, não é? Ou seja, 2:10 do horário antigo, ou não é isso?

[Sim senhor.]

Mas infelizmente vamos ter que viver no horário novo, não é?

(Sr. Poli: O senhor está com a vida muito cheia.)

Graças a Nossa Senhora! Bom, vamos rezar?

[Orações finais.]

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