Reunião Normal (Auditório da Santa Sabedoria) –30/12/68 – 2ª feira – p. 16 de 16

Reunião Normal (Auditório da Santa Sabedoria) —30/12/68 — 2ª feira

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Igualitarismo, Bagarre, Grand Retour e Reino de Maria

* Por ora, o igualitarismo se apresenta geralmente incubado e fragmentário numa porção de fatos, de situações, de costumes e de leis, e não com uma formulação doutrinária definida

Estávamos vendo na última reunião um conjunto de noções que dizem respeito à Bagarre, ao Reino de Maria e tudo mais. E eu estava procurando explicar por que mecanismo é que se daria o Grand‑Retour, que era o ponto fundamental da conferência. E eu mostrei então que o Grand‑Retour seria uma transformação moral, uma transformação espiritual.

Seria — mais exatamente falando — uma metanóia, quer dizer, uma completa modificação de espírito, uma completa mudança de espírito, e que essa mudança de espírito seria produzida pela convergência de dois fenômenos: em primeiro lugar a Bagarre com todos os sofrimentos que daria, etc, quer dizer, sofrimentos de ordem material — cataclismos, guerra, etc, de um lado — de outro lado, que também a mudança de espírito seria produzida pelo fato da Revolução mostrar completamente a sua face, e, mostrando sua face, determinar uma rejeição de uma parte da humanidade.

Isso implicava na afirmação de dois princípios que eu enunciei mais ou menos assim: o primeiro princípio é de que nós estamos diante de uma Revolução que, por enquanto, se esconde. Ela se apresenta incubada, ela apresenta o princípio igualitário incubado numa porção de fatos, numa porção de situações, numa porção de costumes e de leis. E apresenta [o princípio igualitáriio], portanto, disfarçado dessa forma, e não com uma formulação doutrinária definida, o mais das vezes; em segundo lugar, ela se apresenta também como uma Revolução fragmentária, de maneira tal que não se vê o princípio da igualdade inteiro, mas se vê em pequenas enunciações.

* A partir do momento em que uma parte da opinião pública visse o aspecto total da Revolução e visse na TFP a antítese, poderia ocorrer o Grand‑Retour

Eu então mostrei que a partir do momento em que se visse a coisa explicitada e depois, unida, tirado o seu caráter fragmentário e posta formando um todo só, ele causaria um arrepio numa parte da humanidade, sobretudo se essa parte da humanidade tivesse diante dos olhos o estandarte da TFP, a coisa da TFP, e na TFP compreendesse o extremo oposto. E com a maior facilidade da antítese, então se poderia dar para essa parte da humanidade, já trabalhada por dores, por sofrimentos, por desilusões, o fenômeno do Grand‑Retour.

Eu fiquei de explicar melhor como é que a Revolução se apresenta incubada e, ao mesmo tempo, mostrar o seguinte, que era uma outra tese que eu enunciei: que o problema igualitário é o que supremamente irrita os homens e que era, portanto, capaz de determinar aquele supremo acirramento de ânimo que seria a nota emocional e a nota de ódio que tornaria terrível a Bagarre quanto à operação dos homens.

* Estamos diante de uma Revolução incubada, que se apresenta fragmentariamente, e que causa na humanidade uma suprema irritação

Eu devo agora tratar mais especialmente de uma descrição da Revolução, que mostra seu caráter fragmentário, seu caráter incubado e a suprema carga de irritação que ela produz naqueles que se deixam penetrar pelo espírito igualitário.

Essas três coisas, a meu ver, podem ser explicadas num esquema só.

1º ponto: Estamos diante de uma Revolução incubada, quer dizer, que não se apresenta explicitamente, mas implicitamente, o mais da vezes. Há algumas afirmações explícitas, mas o mais da vezes não.

2º ponto: Que ela se apresenta fragmentariamente — essa doutrina — ora, num ponto, ora noutro, nunca apresentando uma coisa completa.

3º ponto: Que ela causa na humanidade uma suprema irritação. Esse problema da igualdade que ela contém é o problema que supremamente irrita os homens.

* Para despertar o ódio revolucionário não é necessário apresentar temas rombudamente anti‑igualitários: basta que o sejam tangencialmente

Eu deveria apresentar, portanto para os senhores, uma série de exemplos concretos aqui no quadro‑negro. São quinze exemplos que eu escolhi. Mas antes de registrar esses exemplos, devo fazer sobre eles umas observações. Nessa primeira observação, eu não quis apresentar os exemplos muito rombudos que todos nós já conhecemos e que são os mais irritantes; são os que se pegam mais facilmente e que irritam mais.

Eu não quis fazer isso porque são exemplos tão surrados entre nós, tão conhecidos entre nós, que a conferência facilmente se tornaria maçante. Por exemplo, se eu apresentasse a carga de irritação que despertaria alguém que dissesse o seguinte, numa roda — mas é preciso tomar não nossas rodas, mas uma roda qualquer aí fora — “Para mim, rei por excelência foi Luís XIV, Rei‑Sol; deve‑se ter aquela altaneria e aquela altivez”.

É claro que isso desperta ondas de ódio, e nós já sabemos que isso desperta ondas de ódio. Mas eu quis escolher exemplos menos comuns. E como os exemplos muito rombudos já foram esgotados — temos agora a segunda observação preliminar — eu preferi tomar exemplos em que o problema do igualitarismo entra quase obliquamente, quase de um modo indireto ou, pelo menos, entra em pequenos sintomas.

Então, meu argumento é: vejam como até nessas coisas que apenas de modo oblíquo, ou de modo minor, implicam no problema igualitário, entretanto a cólera igualitária se manifesta. Um estado de alma que com tão pouco se encoleriza tanto como é capaz de produzir cólera.

A minha idéia é a seguinte — para os que não entenderam — dizer se com fatos que afetam o igualitarismo de modo tão oblíquo, tão secundário, ele é capaz de tanta exacerbação, por aí podemos calcular por outros fatos que o contundem mais, com quanto mais cólera ele entra. E por aí podemos ver a carga de cólera que ele contém. Esse é o raciocínio.

A 3ª preliminar que eu ponho é a seguinte; que é claro, por causa disso mesmo, que muitos dos exemplos que eu dou não têm uma nota só anti‑igualitária, tem várias notas: anti‑igualitária é uma [delas].

Eu não pretendo, portanto, dar uma análise completa desse fenômeno, mas só debaixo de um ângulo.

* O homem contemporâneo oculta suas opiniões revolucionárias porque não ousa confessá‑las inteiras para si; e as contra‑revolucionárias, porque não ousa confessá‑las para os outros

Por essas notas — é a última preliminar — eu pretendo demonstrar aqueles três pontos que eu falei inicialmente, e mais um quarto que está meio implicado naqueles, mas que é mais cômodo enunciar agora, para normalidade da exposição. É o seguinte: o homem de hoje, oculta suas opiniões.

O homem mediano oculta suas opiniões: as revolucionárias, porque não ousa confessá‑las inteiras para si, e as contra‑revolucionárias, porque não ousa confessá‑las para os outros. De maneira que não se pode analisar a opinião hoje por uma análise superficial, porque ela não dá nada. É preciso uma análise mais a fundo.

Não se pode analisar a opinião de hoje com um argumento assim: eu não noto isso em ninguém. Por que? Porque entrei numa sala, olhei para todo mundo, não notei. É preciso uma certa sutileza, uma certa penetração para compreender isso, para perceber isso, como os senhores verão pela exemplificação que eu vou dar daqui a pouco.

(Sr. –: … [inaudível] … .)

Ele oculta para si as opiniões revolucionárias, porque se as confessasse — o homem mediano inteiramente — focaria diante de um ideal anárquico que ele não ousa sustentar. Então, para si mesmo, ele não confessa que aquilo dá naquele ponto. Ele oculta para os outros as opiniões contra‑revolucionárias porque os outros darão risada, caçoarão. De maneira que há uma espécie de dupla força, que leva o homem mediano, moderno, a não manifestar inteiramente sua opinião.

(Sr. –: … [inaudível] …

O problema dentro do Grupo, eu vou estudar à parte. Como é esse fenômeno de opinião dentro do Grupo. Isso eu pretendo estudar à parte, porque é realmente todo um estudo.

* O Senhor Doutor Plinio ilustra a reunião com treze exemplos de problemas anti‑igualitários

Eu tenho uma série de temas em que o “sim”, ou o “não”, dá numa opinião igualitária ou anti‑igualitária. São temas concretos. Pequenos temas, mas de vida quotidiana. Os senhores devem colocar‑se na posição seguinte, mas coloquem‑se a si mesmos: um dos senhores está concretamente visitando, pela primeira vez, uma família média das relações dos senhores, e que vai, ao mesmo tempo, nessa conversa, externar todas as opiniões que eu vou falar aqui. Então, procure ver que antipatias vai despertar quando sair.

Os senhores imaginem o seguinte: que, por exemplo, Horácio ou Fernando Antunez vai fazer uma visita, pela primeira vez, numa casa de família que representa a média das relações das famílias dos senhores, e que ao mesmo tempo vai opinar contra‑revolucionariamente sobre todos os temas que eu dou aqui. Imagine que efeito vai causando sobre os visitantes, e o que os visitantes vão comentar quando os senhores tiverem saído. Aí poderão calcular o grau de irritação que a posição contra‑revolucionária desperta.

* Primeiro e segundo exemplos: “Gosto de cadeiras de espaldar alto e pernas altas”; “gosto de salas altas e grandes”

1º problema: cadeiras de espaldar alto. Portanto, ponham cadeiras altas. A alternativa é essa. Ou melhor, isso não é alternativa, os senhores dizem para o visitante o seguinte: “Eu gosto de cadeiras de espaldar alto e pernas altas. Me desagradam essas cadeiras baixas, de encosto baixo na quais a gente senta e afunda ainda mais”.

Os senhores estão vendo que algo do problema igualitário entra aqui, colateralmente, porque a cadeira alta impõe uma posição anti‑igualitária; tem algo de um trono, tem dignidade. A cadeira baixa é norte‑americana, escarrapachada, é tendente a horizontal, é igualitária. Imaginem que pouco depois os senhores dizem o seguinte: “Eu gosto de salas altas e grandes. Essas salinhas modernas, pequeninhas e baixinhas, me dão falta de ar”. Vão imaginar a antipatia dos seus visitados, que vai crescendo, só com essas primeiras amostras.

* Terceiro exemplo: “Gosto de automóveis ingleses: tão altos que a pessoa pode entrar quase em pé; automóvel aerodinâmico, baixinho, eu abomino, porque degrada o homem”

2º problema: Os senhores dizem logo depois: eu gosto daqueles automóveis que a gente vê nas ruas de Londres: tão altos que a pessoa pode andar quase em pé, entrar quase em pé. Automóvel aerodinâmico, baixinho, eu abomino, porque degrada o homem. Não é verdade que os senhores já começariam a sentir gelo em torno de si?

* Quarto exemplo: “É pena que o domingo hoje não seja mais um dia de gala; hoje, se passa de pijama e roupa esporte”

Pouco depois os senhores acrescentam o seguinte: “É pena que o domingo hoje não seja, como antigamente, um dia de gala em que as pessoas punham seus trajes mais solenes para ir à Igreja e se vestiam com brilho. O domingo, hoje, se passa de pijama e roupa esporte”.

Os senhores acham que estão ganhando ou perdendo terreno na simpatia da família?

* Quinto exemplo: “Eu me encantei encontrando uns mocinhos da TFP na rua, tão mocinhos e já de colarinho e gravata”

Imaginem que os senhores, pouco depois, digam: “Eu me encantei encontrando uns mocinhos da TFP na rua, tão mocinhos e já de colarinho e gravata”.

* Sexto exemplo: “Se eu tivesse uma filha, ela nunca casaria com um rapaz do povinho”

Pouco depois, o mesmo visitante, os senhores mesmos, dizem o seguinte: “Se eu tivesse uma filha, ela nunca casaria com um rapaz do povinho”. Podem não querer que a filha case com um rapaz do povinho, inclusive a filha fica noiva de um rapaz do povinho, o pai chama e diz: “Que louca! Você vai ficar noiva desse pé‑rapado, amanhã fica na miséria…” Cem coisas, mas dizer isso numa sala nunca! Não é verdade que cresceria a antipatia em torno dos senhores?

* Sétimo exemplo: “Me entusiasma meu professor! Ele exige que todas os alunos estejam de pé quando ele entra na sala”

Imaginem que esse dos senhores que está fazendo a visita, diz o seguinte: “Me entusiasma meu professor! Ele exige que todas os alunos estejam de pé quando ele entra na sala”.

* Oitavo exemplo: “Que pena não haver mais a ortografia antiga, com aqueles “H” e “Y” tão bonitos!”

Mais adiante, a conversa roda sobre ortografia, os senhores dizem: “Que pena não haver mais a ortografia antiga, com aqueles “H” e “Y” tão bonitos!”

O que é anti‑igualitário, porque distingue o homem culto do burro. Isto é, algumas coisas que para o espanhol não cabe tão bem. Aqui, no português, a ortografia, recentemente, se tornou inteiramente fonética. No espanhol, há muito mais tempo já é fonética. De maneira que uma porção de letras que não se pronunciam foram expurgadas.

Por exemplo, a palavra “cisne”, aqui se escrevia “cysne”. Agora se escreve com “CI”. Ontem, escreviam‑se “hontem”, agora só se escreve “ontem”. Isso torna a língua mais acessível aos burros. E era a ufania dos inteligentes de antigamente saber bem a ortografia. Quando a gente começava a escrever, a gente olhava um pouco para ver como era a ortografia. Se errava num “Y” que fosse, a gente degradava o burro.

* Nono exemplo: “Deveria ser suspensa a propaganda comercial; a circulação dos produtos deveria estar baseada, como outrora, apenas na fama de qualidade”

Pouco depois o mesmo dos senhores diz o seguinte: “Deveria ser suspensa a propaganda comercial. A circulação dos produtos deveria estar baseada, como outrora, apenas na fama de qualidade”.

Porque antigamente era assim. Antigamente, nas lojas, não havia vitrines. Havia apenas um tabuleiro do lado de fora. E não tinha essas propagandas no alto das casas, etc., anunciando sabonetes.

Outro dia eu vi uma fotografia de uma série de prédios de São Paulo; no alto, no mais alto dos mais altos, tinha escrito qualquer coisa do gênero de sabonete Minerva. Quer dizer, a maior glória que tem o lugar é o valor do sabonete Minerva. Antigamente não tinha isso. Como é que um produto circulava? Apurava‑se a qualidade, e alta qualidade, conjugava com um preço acessível, fazia a propaganda. Eram cidades muito menores e os clientes iam comentando uns para os outros: “Em tal hoje tem sabão bom. E o sabão feito pela Dona Fulana de Tal, que tem um segredo de família, é barato”.

Essa fama assim é que atraía a clientela. A qualidade do produto, conjugada de um modo ou de outro com o fator preço, é que fazia a propaganda. Não havia essa propaganda como hoje, por exemplo, Colgate. Colgate é arcaico. Qual é a pasta de dentes de hoje? Kolynos? A minha é Philips. Não sei se é arcaica. Ultra‑Brite? Então é isso: Ultra‑Brite.

Os senhores estão vendo que é uma coisa igualitária também. É o triunfo do produto sem qualidade sobre o produto de qualidade.

* Décimo e décimo‑primeiro exemplos: “Essas lojas de hoje com marca de cigarro ou de perfume pré‑fabricados vale para gente sem classe; classe é compô‑los”

Pouco depois os senhores dão a seguinte opinião… Os senhores já estão perto da porta da rua, naturalmente. Os senhores sabem que no comércio antigo, uma porção de coisas não eram pré‑fabricadas. Eu dou 2 ou 3 exemplos e os senhores podem ter uma idéia. Por exemplo, fumo. Não havia fumo fabricado assim. Cada indivíduo tinha uma receita com os vários fumos de que gostava. Ia à charutaria e entregava a receita para fazerem para ele tantas caixas com a mistura do gosto dele. Quer dizer, cada um exprimia, portanto, sua personalidade num fumo ideal que ele tinha ido pesquisando até encontrar o sabor completo.

Minha irmã assistiu esse fato: uma senhora comentava [que] nos Estados Unidos há muito mais progresso que na Inglaterra. Na Inglaterra a gente vai àquelas casas de perfume e a gente tem que indicar a composição do perfume nas casas mais finas. Nos Estados Unidos já está tudo feito, tudo previsto, etc., etc.

Estão vendo a cretina [que há] nessa senhora. Ela não compreende que uma senhora rafinée gosta de ter um perfume imaginado por ela e que a exprime, tem algo do espírito dela. Indica muito mais categoria ser capaz de escolher seu fumo ou seu perfume, do que não ser capaz.

Imagine que alguém chegue nessa mesma roda e diga: “Essas lojas de hoje com marca de cigarros prontas, marca de perfume pronta, vale para gente sem classe. Classe é compor”. Os senhores imaginam aplausos. Oh, bem! Ou os senhores imaginam caras … [inaudível] … ou então, não senhor, acaba com isso. Eu não sei. Pode sair tudo com uma declaração dessas. [Perfume e fumo pré‑fabricados].

* Décimo‑segundo exemplo: “Mandar fazer chapeús sob encomenda, isso é que é civilização!”

Pode parecer cacete uma enumeração tão longa, mas acontece que com isso é que a gente pega o vivo da coisa. Se a gente não tem o fato concreto, não se entra no vivo. Fica‑se no mundo da Lua, e o mundo da Lua era, até há pouco, o mundo da quimera.

Imaginem outra coisa, há chapeleiros em Londres, de alto borgo — [ou melhor,] havia até algum tempo atrás; Londres está se cafajestando tanto que eu não sei se ainda há — em que o indivíduo mandava fazer, esculpir, o formato de sua própria cabeça em pau. E tinham guardadas em armários especiais as cabeças de Fulano, Sicrano, etc., etc., de maneira tal que o chapéu saía perfeito.

Era uma espécie de chapelaria‑clube. O indivíduo que pertencia àquela chapelaria especial podia, de qualquer parte do Império Britânico, com um figurino, mandar dizer: “Mande‑me um chapéu assim”. Ou mandar uma cor: “Mande‑me um chapéu dessa cor assim”. Chegava o chapéu perfeito, por causa da cabeça esculpida do homem. É categoria, não é, Dr. João Sampaio? É uma coisa que no Brasil nem se suspeita que existe. Talvez exista em Buenos Aires e Santiago.

Bem, é muito certo que se não existe nas grandes capitais do Brasil, a fortiori, não existe em Curitiba, em Florianópolis, nem em Brasília, nem em Santa Vitória do Palmar.

[Há uma observação de um ouvinte, mas não se distingue bem]

Os senhores imaginem alguém que numa visita dissesse: “Isso é que é civilização”. É outra vaia! E eu estou dando casinhos, em que o igualitarismo está incubado, entra de esguelha. Mas vejam o furor que desperta. [Fôrma para chapéu.]

* Décimo‑terceiro exemplo: “O ié‑ié‑ié é degradante; sublime é o minueto dançado pelos marqueses e marquesas”

Vamos dizer a dança mais moderna. Alguém que disse: “O … [inaudível] …ou o ié, ié, ié é degradante. Sublime é o minueto dançado pelos marqueses e marquesas”. A esta hora não se tolerava mais. (… [inaudível] … minueto.)

* Décimo‑quarto exemplo: “Eu sou a favor da vitaliceidade da cátedra”

Um outro que dissesse o seguinte: “Eu sou a favor da vitaliceidade da cátedra. Vitalício é que é bom”. (Cátedra vitalícia.)

* Décimo‑quinto exemplo: “Foi um erro o Itamaraty abolir o lindo fardão dos diplomatas, de veludo, com alamares, etc”

Outra: “Foi um erro o Itamaraty abolir o lindo fardão dos diplomatas, de veludo, com alamares, etc. Foi um erro”.

(Sr. –: … [inaudível] …)

Os diplomatas, por toda parte, usam uma farda solene, que é feita de veludo, etc., e foi abolida na diplomacia brasileira. foi substituída pela casaca comum de qualquer civil.

Os senhores têm aí, se minha contagem não está errada, 15 exemplos.

[discute‑se e chega‑se à conclusão de que são 14, Senhor Doutor Plinio diz que entre 14 e 15 dá quase na mesma; mas fazendo a contagem no texto, verifica‑se que são 15 mesmo]

* A irritação do igualitário provém do fato de se lhes mostrar que admitindo certas formas de igualitarismo, admitem a igualdade total

Eu pergunto o seguinte: é verdade que essas coisas todas irritam o mesmo tipo de mentalidade. Eu afirmo. Agora vou comentar essa irritação. Irritam o mesmo tipo de mentalidade. Essas pessoas sentem, no fundo, que entre essas coisas todas há algo de comum. Tanto é que elas se irritam com outra, com outra, com outra.

Elas sentem que há algo de comum. Isso é um ponto. Se a gente for explicar para elas que em tudo isso elas detestam a hierarquia e que, portanto, elas se manifestam contrárias a todas as formas de hierarquia e que elas são partidárias de todas as formas de igualdade e que, portanto, no fundo, são marcusianas, elas recusam, põem para fora também.

Então, o senhores têm aqui que a opinião igualitária, o princípio de igualdade absoluta está incubado nessas opiniões, está fragmentado nessas opiniões, que é o que eu afirmava no começo da conversa. E, o 3º princípio que eu dei, as pessoas não ousam confessar para si mesmas isso. A tal ponto que [se] a gente mostrar elas explodem de ódio. E sem ter argumento. Pode dizer: reacionário, antipático… Os exemplos confirmam as 3 das teses que eu dei? A da irritabilidade eu vou dar melhor.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Quer dizer, ao mesmo tempo eles são e não querem confessar para si mesmos que são. Dizem: “Reacionários, antipáticos, vão embora”. Dizem qualquer coisa, um ultraje. Fogem do problema.

(Sr. –: … [inaudível] … )

A gente comum de hoje em dia, média, que na Bagarre vai ficar colocada diante dessa posição.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Os átonos estão fora desse problema.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Isso daria, se eu pudesse fazer, um dialoguito de primeira, mas incapaz de circular. Porque eu não teria coragem de vender isso na rua.

(Sr. –: … [inaudível] … )

A resposta seria: “Você percebe que em muitos lados de sua alma você ainda aceita a hierarquia, e que em muitos outros a sua posição lógica é contra essas coisas porque são hierárquicas. Logo, você tem uma antipatia pelo princípio hierárquico”.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Sim, com relação ao mundinho dele. Se ele for pai, ele quer que os filhos o respeitem; se ele for filho, o calor dele será menor. Em todo caso, foi uma boa pergunta que o Burini fez.

(Sr. –: … [inaudível]… )

Prova muito, que ela sente exploralidade contra nós.

(Sr. –: Uma observação que se refere, parece‑me a que um marcusiano poderia não aceitar vários dos itens tratados, mas dois ou três, e certamente naqueles de toda a máquina da propaganda montada em série coincidisse com Marcuse, não.)

Depende da razão que se desse. Se a gente falasse da propaganda, contra a propaganda, mas para afirmar que é preciso depurar as categorias dos produtos, ter produto de categoria hierárquica e várias [??] organizada segundo uma sociedade aristocrática, eles ficariam furiosos. Quer dizer, é preciso ver o prisma da crítica.

(Sr. –: … [inaudível] … )

À primeira vista, perfeitamente. Aliás é preciso dizer um pouco o seguinte: nossa posição, no que ele tem de orgânico, é contrária à super‑organizações e, nesse ponto, sem ter nada de comum com Marcuse, tem um inimigo comum.

(Sr. –: Marcuse quer nivelar por baixo e nós queremos … [inaudível] … )

Exatamente. Agora, quanto ao grau de irritação que isso causa. Os senhores estão vendo que aqui são tomadas de atitudes em que a distinção hierarquia‑igualdade entra quase de tangente, obliquamente. Não entra de frente. Entra meio obliquamente, e entra em aplicações secundárias. É diferente de se chegar diretamente e dizer: eu sou monarquista, eu sou a favor da aristocracia, eu sou a favor de fortunas desiguais. É diferente. São teses menores, são aplicações pequenas.

* Quem manifestasse ostensivamente simpatia por tais preferências anti‑igualitárias seria literalmente excomungado dos ambientes sociais

(Sr. –: … [inaudível] … [pergunta sobre metafísica em concreto.])

Essa é metafísica em concreto. Apesar disso, qual é a penalidade [a] que ficaria sujeita uma pessoa que expandisse essas idéias? Ela ficaria sujeita a uma espécie de pena máxima, quer dizer, uma espécie de excomunhão. Ela seria expulsa do ambiente. A segunda visita, a pessoa não fazia nessa casa. Quer dizer, seria uma excomunhão no sentido literal da palavra; é uma comunidade que expulsa alguém, excomunga. Excomunhão: tirar da comunhão. Um roda social não é uma comunhão? O indivíduo sai daquela roda social.

Imaginem um homem que está numa estação de águas, ou está numa praia, num Grande Hotel. E ele, com dez famílias do hotel, fez esses comentários. Moralmente ele não pode terminar sua temporada naquele hotel. Em todo o lugar que ele chegue há um tal vazio em torno dele, foge‑se dele, que ele moralmente não pode terminar sua temporada. Ele pode ter dinheiro para pagar o hotel, o hotel pode manter o quarto dele e servi‑lo, [mas] ele sofre uma [tal] pressão moral que ele não pode continuar.

Quer dizer, é a pena máxima que uma sociedade pode dar. Ela dá: é a excomunhão. É uma espécie de miniatura da pena de morte. Não é bem verdade? Os senhores não se sentem um tanto excomungados aí fora? “Um tanto” é uma expressão meio amável. Mas isso aqui não é uma roda de excomungados? Excomungados pelo [??] excomungados?

Por aí os senhores vêem o grau de irritabilidade da paixão igualitária. Os senhores vêem, portanto, que o igualitarismo é um erro metafísico e uma paixão que irrita muito.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Exatamente. Eles não gostam. O furor. Porque eles são liberais. De si eles gostariam de … [inaudível] … todo mundo, exceto o anti‑igualitário.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Não assinaria nuca.

* Durante a Bagarre, quando o problema do igualitarismo estiver posto com clareza, haverá uma luta como nunca houve

Fica provado o seguinte: se com manifestações oblíquas, a reação é tão grande, no momento da Bagarre em que o problema estiver posto com tanta clareza e todo mundo perceber que a questão igualdade‑não‑igualdade envolve isso e mil outras coisas além disso, porque a gente poderia fazer um dicionário, uma enciclopédia disso. Seria a bomba, uma linda enciclopédia a respeito da posição igualitária‑anti‑igualitária. … [inaudível] … Navios: tá, tá, tá ‑ Automóveis: tá, tá, tá. Mas produziria pranto e ranger de dentes.

Não se sabe o que aconteceria com essa enciclopédia. No momento em que o progresso da Revolução tiver feito as pessoas verem que, ou são a favor da igualdade completa e têm que renunciar a toda forma de hierarquia, ou são a favor da hierarquia completa e têm que renunciar a toda a essas opiniões, dá uma crise e uma luta como nunca houve, porque isso é o ponto de suprema irritabilidade. É a tese que eu dava na última vez. Os senhores estão vendo que isso, no fundo, são comentários da RCR, de um modo ou de outro.

Eu deveria agora responder as perguntas feitas pelo Dr. Plinio e as perguntas que me quisessem fazer a respeito das técnicas do Grupo. Eu imagino demostrando que quando o problema igualdade‑desigualdade se prantear, se puser em todo o seu gume, há a maior explosão possível e que essa explosão é a explosão da Bagarre.

(Sr. –: Eu não compreendi uma coisa. Quando o senhor disse, no inicio, que essa seria a coisa da suprema irritação da humanidade quando compreendesse o igualitarismo. Agora, aqui o senhor mostrou a irritação contra o igualitarismo?)

Não, contra o anti‑igualitarismo.

(Sr. –: Sim, contra o anti‑igualitarismo. Agora, eu tinha entendido que a ordem estabelecida pelo senhor era de que no momento da “Bagarre” ia haver uma irritação contra o igualitarismo.)

Deve ser um lapso de linguagem. É contra o anti‑igualitarismo, de um lado e contra o igualitarismo de outro lado. Quer dizer, muitas pessoas cindirão e tomarão essa ou aquela posição.

* Uma grande minoria aderirá à posição anti‑igualitária da TFP

(Sr. –: Quer dizer que nessa hora muitos vão tomar a posição boa?)

Exatamente, vão tomar a posição boa. Uma minoria grande.

(Dr. Eduardo: … [inaudível] … )

Furiosamente. Tudo, o que houve há pouco, que se dizia que no Brasil não havia mais MDB, etc, havia um partido pró D. Helder e outro contra, ou melhor, pró‑reformas e contra‑reformas é, no fundo, pró‑igualdades e contra‑igualdades, pró‑hierarquia e contra‑igualdade. Estava começando a pegar fogo em todo mundo. E quando os políticos usam a expressão “não radicalizamos”, eles querem dizer “ponham a nu isso”. Porque radicalizar é pôr a nu essa situação. Radicalizar ideologicamente, é claro.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Exatamente.

(Dr. Paulo Brito: Podia‑se dizer que a tática que o senhor usa no momento é a seguinte: radicalizar a coisa de tal modo que venha a explosão antes da hora. Então, nos artigos da “Folha” avançar, digamos, naquelas nossas que ainda têm quadros contra‑revolucionários para que não se cristalizem contra nós e aos poucos ir avançando cada vez mais?)

A tática que eu sigo, propriamente, é a seguinte:

[Senhor Doutor Plinio faz uma ressalva, antes de passar aos problemas táticos, para responder a uma pergunta.)

(Sr. –: … [inaudível] … Quer dizer isso que as pessoas já tomaram uma posição diante da Bagarre? Dificilmente se converteriam e … [inaudível] … )

Não vou tão longe. Eu acho que essas pessoas teriam uma tentação tremenda de aderirem à igualdade completa de um modo explícito, à qual implicitamente já aderira. Aliás, explicitando melhor: essas pessoas têm em si uns restos de Idade Média e essa mentalidade conjugada num choque que elas procuram não ver de frente.

Elas como estão, na maioria, muito mais para o lado da Revolução do que para os restos da Idade Média que têm; [elas] na sua imensa maioria sucumbiriam à tentação de aderir ao igualitarismo completo. Mas é certo que haveria uma minoria, mas uma minoria muito maior do que somos nós como minoria, que tomaria inteiramente o outro lado. Sobretudo, em contato conosco, percebessem qual a tese [que está no] extremo oposto.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Irremediavelmente não.

(Dr. Celso: A maior parte das famílias médias reagiria dessa forma que o senhor disse. Mas se usássemos, ou melhor se somássemos os exemplos contrários e usássemos os argumentos anti‑igualitários para defender os exemplos contrários, essas famílias também se radicalizariam contra nós? Porque se um socialista chegasse e começasse a defender o domingo vestido à moda esporte, não porque é mais prático, mas porque acaba com aquela pompa desagradável, para que dignificar o domingo dessa forma. Depois, dissesse que todas as moças deviam casar com rapazes do povinho. porque esse igualdade é que é boa e assim por diante. Se tomasse todos esses exemplos assim. Não radicalizaria também uma grande porcentagem dessas famílias? Contra o igualitarismo?

Essa é uma muito boa pergunta. Realmente, radicalizaria, mas um número muito menor do que as que se radicalizam com essa formulação. Sobretudo, não determinaria excomunhão. Aí o senhor vê bem o fenômeno que eu falava há pouco; uma espécie de bi‑partição, memória, etc., etc.

Há mais alguma pergunta sobre a matéria? Não havendo vamos passar para os problemas táticos.

* O Sr. Dr. Plinio age sobre as pessoas pelos símbolos, e também pela linguagem que os incompatibiliza com a Revolução e não com a TFP

Eu estava dizendo que a Revolução, à medida que vinha progredindo, ela vinha sendo obrigada a mostrar‑se inteira como é e vai gente fugindo dela.

A minha atenção está posta, propagandisticamente falando, em larguíssima medida nessa gente que está sofrendo essa situação. E eu procurando, com essa gente, jogar dois jogos: implicitamente, pelos símbolos, eu formulo tudo nosso. Explicitamente, eu rumo uma linguagem que os incompatibiliza com os outros e não conosco.

De maneira que afastando a distância que eles têm com os outros, eles não têm remédio senão acabar se agarrando ao nosso estandarte. Daí uma diferença entre a linguagem simbólica e a linguagem escrita. Quer dizer, eu procuro explorar aquilo que eu afirmo que é a desgraça da Revolução.

(Dr. Paulo Brito: Entre o artigo, que o senhor fala da desigualdade na origem como injustiça, aí o senhor já fala mais claro.

É, mas o claro entra meio sotto voce. O que entra ali não é tanto a idéia de hierarquia, que está firmada, mas do bom papaizinho, da boa mamãezinha que deve deixar o dinheiro para o filhinho, etc. O artigo que eu devo enviar amanhã para a Folha é muito característico nesse sentido. Eu faço, no começo, um elogio dos astronautas. Depois desse elogio, eu levanto um problema: “Qual é a recompensa que eles vão ter?”

* O Sr. Dr. Plinio escreve um artigo para a “Folha” comparando o feito dos astronautas ao de Colombo, mas indaga sobre o que eles ganharão por terem realizado tal feito

Eu faço assim: é tão a grande glória deles que eles até têm sido comparados a Colombo. Não é preciso dizer mais nada. Agora, entre outras perguntas que se podem fazer, ou pontos para investigar na questão, uma é essa: Colombo fez um tratado com os reis católicos, em que ele obtinha honras, dinheiro e poderes fabulosos. Até dizem que os reis católicos não puderam cumprir, tais eram as cláusulas que Colombo impôs. Como é que vão ser pagos esses astronautas?

Eles que têm um feito proclamadamente igual a Colombo vão ser pagos com honras, com dinheiro, com poderes extraordinários ou eles vão receber muito pouca coisa? Pelo que dizem os jornais, muito pouco coisa. O major vai ser promovido a coronel, a tenente‑coronel. Quanto aos dois outros, há dúvida quanto à possibilidade de promover, porque já foram promovidos há pouco tempo.

Eles vão ter então a proclamação dos papéis picados, do que todo mundo conhece, e depois vão para a penumbra, porque vem um outro vôo, alcança mais do que eles alcançaram; se eles não estiverem nesse outro vôo, estão eclipsados. E eles têm uma glória que tem o gosto de garrafa de Champagne aberta na véspera.

Não seria mais humano, uma vez que estamos numa época trabalhista, em que se afirma uma promoção entre o valor do trabalho e o valor do salário, calcular quanto vale o salário que merece esse trabalho? O título do artigo é “Uma Questão Trabalhista Astronáutica”. Não sei se os senhores percebem que a verruma entra, todo esse mecanismo como se move. Move‑se de modo mais desagradável possível para eles, mas sem que eles sequer possam dizer que acharam desagradável.

Eu digo: “Bem, é verdade que os reis católicos, que Colombo não foi pago pelos reis católicos. Eu não entro aqui na apreciação do fato histórico. O fato é que a opinião universal achou que os reis católicos andaram muito mal em não o pagar segundo o mérito do que ele fez”. E representava aqui algo do bom senso universal.

Antigamente o bom senso universal entendia que os grandes benfeitores da pátria deveriam receber grandes pagamentos. Os grandes generais, os grandes ministros, os grandes diplomatas: [eles] recebiam castelos, recebiam terras, recebiam honras. Os senhores estão vendo qual é a insinuação que está feita aqui, sem que ninguém possa dizer qual é a insinuação. Se até hoje se censura os reis católicos por não terem dado isso a Colombo, e se censura em nome do bom senso universal! Não só em nome da fé do trabalho, negado, mas em nome do bom senso universal.

Eu pergunto: não vale para o caso dos astronautas aquilo por onde tanto se censura os reis católicos? Depois, o resto [é] mais ou menos uma argumentação que os senhores já conhecem. Isso é pegar essa gente que está passando por esse fenômeno e fazer como se faz com uma noz no quebra‑nozes. Põe ali, palc, aperta, estala a noz.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Exatamente, na medida limitada desse artigo. Tudo está dirigido a esse ponto.

[Uma pergunta é feita, mas a pessoa afirma que já foi respondida. Parece referir‑se à técnica do Senhor Doutor Plinio.]

Quanto aos nossos métodos de propaganda está tudo claro?

(Sr. –: … [inaudível] … )

* Agindo sobre as pessoas, os símbolos da TFP atraem, mas a linguagem separa

O símbolo é feito para atrair para nós. A linguagem é feita para separar dos outros. Nos símbolos eu sou radical e implícito. Nas obras eu sou moderado e explícito.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Eu separo da extrema revolução do igualitarismo, com idéias, com princípios. É bem isso.

Uma minoria um tanto numerosa pode ser afetada por essa coerência. Exatamente porque não pode fazer de outra maneira.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Eu creio que o Grupo dificulta ainda mais a tarefa deles, mas não é a razão preponderante. Para você ter uma idéia da coisa ao vivo — você não é daqui de São Paulo, não sei até que ponto pode ter a idéia, eu vou dar um exemplo paulistano — essa roda toda de roda viva, de teatro de experiência, Chico Buarque de Holanda, essa coisa toda. Se eles não estiverem continuamente mais revolucionários, mais revolucionários, mais revolucionários e, pelo contrário, pararem, não é verdade que a Revolução toda perde o impulso?

Você compreende aí que todos os extremismos ou estão cada vez mais ficando extremos, ou eles perdem o impulso. Está na dinâmica do extremismo. Se eles não continuarem, perdem que o movimento deles seja mais vivo. Vocês imaginem que tudo, partido comunista, partido socialista, Chico Buarque de Holanda, todas essas coisas assim, movimento universitário, tudo isso parece, ou melhor, parasse.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Não, eu não acredito que para grandes massas, em situações individuais, a Graça e o bom senso poderiam levar algumas pessoas. Mas não acredito que a grande massa possa chegar a isso sem conhecer a TFP.

Nessa campanha, [se] tantos jornais do mundo já falaram da TFP, podem imaginar em feitos maiores quanto falarão.

* O ódio que os revolucionários manifestam em função das atitudes tomadas pelos Membros da TFP se dirigem ao próprio Sr. Dr. Plinio, contra o qual pesam todas as “excomunhões” sociais

(Dr. Plinio Xavier: … [inaudível] … O senhor poderia dar outros exemplos de atitudes do Grupo em que habitualmente essa afirmação está presente?)

A mais tonitroante deles é o grande número de celibatários dentro do Grupo. A abstenção do Grupo em relação a bailes, festas e praias. A abstenção do Grupo em relação a conversas imorais. O modo cerimonioso das pessoas do Grupo se portarem entre si e com outros. Tudo isso insinua um mundo de coisas inexpressas.

Entre elas — não me levam a mal se menciono uma marcada pelo ódio deles — cabe em duas letras: Eu. O fato de serem solidários comigo diz tudo isso. Porque eu, até de costas digo isso. Donde a popularidade de que gozo. Contra mim pesam todas as excomunhões. Eu sou o excomungado. Tudo quanto se podia fulminar contra um homem foi fulminado contra mim. Isso é líquido.

(Sr. –: … [inaudível] … )

São as duas coisas ao mesmo tempo. Eu apresentei a opinião pública, na imensa maioria de seus elementos, como dividida, e tendo um lado contra‑revolucionário que tem essa saudade, essa nostalgia incubada, e tendo um lado revolucionário que deseja o contrário. Nós, apresentando paletó e gravata, nós determinamos uma simpatia, de uma lado e uma antipatia de outros muitos lados, na mesma pessoa.

A título de curiosidade, vou fazer uma pergunta: quais os que acham, assim, tá, tá, nós e isso? Primeiro, é preciso ver: “nós” quem? Porque nós não somos tão homogêneos que se possa dizer nós todos. Existe “nós”, quer dizer, aqueles que estão no flor da vocação; existe “nós”, os que estão num estudo de perseverança progressiva; existe “nós”, que estamos num estado de estabilidade correta. E existem os outros dentre nós.

Acontece que os que estão no estado da flor da vocação ou numa perseverança progressiva, esses têm entusiasmo por esse problema, sensibilidade por ele, etc. Esses, por isso mesmo, na hora do “crah”, da cisão, da dilaceração… Não, vamos dizer de outra maneira: esses se deliciam em presenciar esse dilaceração que já começou.

Primeiro sintoma, então: deliciam‑se em presenciar essa dilaceração que já começou. Segundo sintoma: fazem tudo para trabalhar nesse sentido, campanhas e o que for. Dão dinheiro, o que quiserem; Terceiro: ficariam horrorizados se o processo parasse e desse na boa estabilidade atual: “Graças a Deus acabou tudo…” Não, ficariam horrorizados. A 1ª e 2ª categorias eu englobei numa só. Passo agora para a 3ª categoria, que é, se minha memória não trai, a estabilidade correta.

Entre vários assuntos, se interessa também por esse. Colabora também com isso, entre outros afazeres. Teria certa preferência para o processo não parar, já qui’il faut detailler. Sabem que detailler vem de tailler —[ex neliqua?] os outros.

Para os que estão numa situação não cabe nas anteriores — os senhores vêem que Saint Simon tem recursos par tudo — o tema não interessa. Um sinônimo reversível disso é que começam a interessar temas como: os astronautas, leituras enormes… Futebol, a última partida. Política politiqueira; quem ia substituir o Arrobas Martins… Mas, sobretudo um outro tema, que cabe também em duas letras: é o tema “eu”.

Mas não o “eu” Plinio: o “eu” dele. Minha saúde, meu sapato, meu travesseiro, minha tia, eu, em todas as ramificações da palavra eu. Minha comida, “eu”. De fato, essas pessoas sentem um mal estar com essa dilaceração. Na aparência interessa. Faz sem ter mal estar. Agora vem o mais sensível dos sintomas: ficariam entusiasmadas se o processo parasse. E ponto final. Está terminada a conferência.

Eu vejo que essa parte é a que menos interessa, a que menos relação tem conosco.

(Sr. –: … [inaudível] …

Eu acho o seguinte: essa coisa que pode ter interessado um pouco porque é um pouco picante, tem o sabor de uma trouvaille, um achado. O resto deve ter parecido bizantino, perdendo‑se em pontos e contra‑pontos, em razões e contra razões. Certamente seria muito mais interessante, por exemplo, uma exposição sobre… Se alguém chegasse e dissesse: “Olhe, eu sei uma coisa inédita sobre os astronautas, no fim da reunião eu conto”. Muitas pessoas não poderiam assistir a reunião. Onde vai tua atenção, aí vai teu coração.

(Sr. –: … [inaudível] …)

* O Sr. Dr. Plinio acha que o Grand Retour para o Grupo virá antes da Bagarre

O Grand‑Retour nosso ou dessa gente? Eu tenho a impressão de que essa atitude de alma, que é a atitude 4, resulta de uma espécie de simpatia categórica com o mundo atual, visto na sua superfície, visto à vol d’oiseau, e a não querer vê‑lo a não ser na superfície, para não ter que antipatizar com ele. E isso, em última análise, por um fundamental, otimismo que é, no fundo, um fundamental apego a si mesmo. As coisas vão correr como eu quereria que corram.

Agora, quando … [inaudível] … e houver o estalo dessas coisas, então é possível que haja um ruptura desse ídolo e que as pessoas, então, vendo esse ídolo rolando no chão, profanado e desabusado, possam então voltar para Nosso Senhor Jesus Cristo, para Nossa Senhora. Mas no fundo entra uma espécie de adoração, de prestígio e de respeito, de conivência com o mundo moderno, visto como ele mente que é. E como atrás do apedrejado correm as pedras, acontece que quando se tem esse estado de espírito, ele é levado a rejeitar essa conferência, achando que assim como ele não se interesse por esse problema, esse problema não interessa a ninguém. Ele não compreendeu que morreu nele o nervo para o problema.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Eu creio que o Grand‑Retour para o Grupo não virá com a Bagarre. Eu creio que virá, talvez, antes da Bagarre, com uma ação soberana de Nossa Senhora, em que Ela resolva destruir tudo isso e acabou‑se. É a impressão que eu tenho.

(Sr. –: … [inaudível] … )

A Argentina está muitíssimo posta nisso, de modo mais característico do que o Brasil, e essa dilaceração do mundo argentino produziria fenômenos de uma violência extraordinária.

(Sr. –: … [inaudível] … )

Exatamente isso. Você precisa distinguir as pessoas que têm simpatia pra algumas das posições do Grupo e as pessoas que têm simpatia para a posição total do Grupo, o que é uma coisa muito diferente. Para algumas das posições do Grupo, a gente pode trazer muita gente e é o que nós nos esforçamos por meio das nossas obras. Para a posição total do Grupo, as pessoas que podem ter simpatia se muito menos numerosas. É precioso [NR: ou será “preciso”??] fazer distinção entre uma coisa e outra.

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