Reunião
Normal – 27/4/1967 – p.
Reunião Normal — 27/4/1967 — 5ª-feira
Nome
anterior do arquivo:
Biografia de Adenauer
É uma biografia muito resumida, mas ela se presta a algumas considerações que eu gostaria de fazer aqui na reunião.
“Adenauer nasceu em 1876, na cidade de Colônia.”
Ele teria mais ou menos a idade de Santa Teresinha, mais moço do que Santa Teresinha três anos.
“Ele era filho de um escrivão do Tribunal.”
Quer dizer, de uma pequiníssima burguesia, muito modesta, mas na Alemanha, uma burguesia muito arranjadinha naquele tempo. Porque esse é o tempo do Kaiser. E era o tempo em que cada pequeno burguês desse tinha sua janelinha, com seu cortinado, com seu pote com gerânios e em casa os móveis todos arranjadinhos com tricôs e crochês feitos pela mulher, etc., e em que as pessoas assim se honravam se usar o título.
Uma pessoa. minha conhecida, me deu da Alemanha um envelope com um endereço assim: Ao sr. Carteiro aposentado Fulano de Tal. Quer dizer, é um título: Carteiro de Estado e aposentado. Funcionário de Estado e aposentado.
Então, aqui também, funcionário de Estado, e é dessa minusculíssima burguesia que saiu esse leão. Era funcionário de cartório, escrevente. Não era, portanto, Aruda, mas era empregado de Aruda. É um escrevente.
“E fez os primeiros estudos no Liceu dos Santos Apóstolos, em sua cidade natal.”
Eu vou comentando tudo que se prestar a comentários: Ambientes e Costumes ao longo da notícia.
Não sei se percebem a beleza do título: Ginásio dos Santos Apóstolos. Tem uma categoria que indica uma amplitude de piedade, uma forma de piedade que compreende o papel dos apóstolos na economia da salvação, e por isso os faz objeto de veneração. Venera-os e venera-os não só individualmente, mas em grupo. Aquilo era bonito. Ginásio dos Santos Apóstolos, é um bonito título. Tem pensamento dentro da coisa, não é qualquer coisa isto. Mas isto é um comentário muito colateral.
Ele era católico, o Adenauer.
“O jovem Adenauer parece ter atribuído a maior importância aos preceitos paternos do que às lições de seus professores.”
Sempre deve ser isso. Ao menos com os pais dessa geração, que ensinavam ainda coisas muito aproveitáveis.
Agora, vêem os preceitos. Um dos preceitos era: “O que fizeres, faze-o por completo.”
Agora, comparem isso com um pai de hoje. Qual é o pai de hoje que dá um preceito para o filho? “Meu filho, não, isso é feio, hein!” Supremo argumento: “Papai já disse.” Quer dizer, está dado o argumento.
Quer dizer, o inculcar preceitos e preceitos meio feitos pela experiência da vida, e meio assim da tradição nascidos, os senhores vão ver como entrou a fundo na cabeça do Adenauer esse inculcado preceito, ou esses preceitos assim inculcados.
Os senhores vêem que um dos traços da vida dele é esse. O que ele fez, ele fez por completo. Isso é um escreventesinho de cartório, heim! Eu pergunto para os senhores quantos escreventes de cartório dão preceitos assim para os seus filhos. Qual é o conselho? “Meu filho, olhe, aproveite, viu? O que você puder gozar, o que você puder filar, o que você puder comer, não perca tempo, porque é uma ocasião única que você não sabe se vem duas.” Se é que dá preceitos.
“Outro: Só é feliz quem cumpre inteiramente seu dever.”
Esse preceito a gente vai ver o que foi. Foi a orientação da procura de felicidade de Adenauer a vida inteira. Uma vida duríssima, arduíssima, cuja principal felicidade – evidentemente natural e não sobrenatural, porque ele não era filho da luz – era de fazer inteiramente aquilo que era a sua tarefa, a tarefa que ele tinha tomado para si, fazê-la completamente, fazê-la até o fim. E encontrar nisso, não nos prazeres, não na diversão, não na sensualidade, não na moleza, uma forma de felicidade. A explicação da vida de Adenauer poderia caber nesses dois preceitos. Agora os senhores vão ver o resto.
“Em nove anos de vida escolar, do ensino secundário, não faltou uma única vez à pontualidade, cumpriu à risca outro preceito do pai: ‘Não te deixes distrair de teus propósitos, nem mesmo se se dispara um canhão ao teu lado.’”
Quand même. Agora, olhem para o carão do Adenauer. Eu pergunto se essas frase estão ou não estão escritas aqui. É evidente. É uma formação freqüente na pequena burguesia daquele tempo. Na Alemanha, bem entendido.
“Acatando sempre os ensinamentos do pai, os quais também às vezes eram ordens rigorosas. Adenauer foi um exemplar estudante de Direito e de Economia Política na Universidade de Munich.”
Agora, um complemento interessante.
“Nas poucas horas vagas que tinha, dedicava-se à cultura de flores.”
Quer dizer, os senhores estão vendo que não é tanto nas horas vagas, não é a dissipação , o prestar atenção em tudo, o quer ver tudo o que se passa, ligar o rádio, a televisão, olha pela janela, tem que estar com um micro contato com todo mundo. Não, vai calmamente cultivar flores e isto é uma forma de prazer. É uma forma de deleite que só compreende quem tem esse alto senso do dever. Sem isso a gente não compreende essa forma de deleite.
Bom, aqui está o equilíbrio de todo grande europeu. Seja ele “fassur” como for, ele poderá, por exemplo, não sei, ser especialista em nitroquímica, mas tem um interesse por abelhas que é uma coisa fantástica. O outro será o magnata do aço, mas no que diz respeito à penugem azul de tal passarinho na Austrália, ah, ele vai para a Austrália todo ano para ver o passarinho azul. Ou então, eterna mania dos europeus, os clássicos. É Cícero, é Demóstenes, é sei lá o que for, conhecido a fundo. Sem contar a música, qualquer europeu, de alguma categoria é musicalizado. Qualquer pessoa tem, pergunta-se assim para uma pessoa, logo de cara: “Qual é o seu autor predileto em matéria de música?” Nem tem conversa. “Que instrumento o senhor toca?” Isso é o normal.
Aquele almirante inglês que ia para a Rússia, Laur Kitchner, o símbolo da ferocidade, que foi contemplar as rosas antes de ir porque esperava vê-las florescentes quando voltasse.
Quer dizer, o mais engraçado é que os preconceitos reputam isso como efeminamento. “É, o homem é efeminado. O que, você gosta de rosas?” E a acusação vai logo pom-pom, a pior.
Adenauer era efeminado? Como é que pode passar pela cabeça de alguém que Adenauer era efeminado? Eu pergunto. É outra envergadura.
(Sr. –: E o Von [Papem?]?)
Von Papem era rosas mesmo. Adenauer, um pouco genericamente, flores. Mas Von Papem, entre duas conspirações daquelas, tinha uma rosa que ele cultivava, em enxerto mandado vir de tal lugar e que ele fez ele mesmo, com um tesourão, porque isso tem um tesourão sem o qual não vai, com um tesourão, mas que é uma maravilha. Agora, eu confesso, eu me enterneço com isso. Eu acho um tipo de humanidade tão superior!
Depois, não é só com homem, é com as senhoras também. Freqüentíssimo, uma senhora, mas senhora de boa sociedade lo que se diz , como também de pequena burguesia, média burguesia, tem paixão por um certo pintor, um certo artista, uma certa coisa do passado, por exemplo, Ronsard, ela é “ronsardiana.” Então, ela tem vitrine com coisa de Ronsard, declama Ronsard, foi fazer uma peregrinação, pertence a uma sociedade dos amigos de Ronsard, do lugar onde ele nasceu, que é uma célula da federação pan-européia das sociedades de amigos de Ronsard.
É uma riqueza de alma à qual nós não estamos habituados. Eu digo porque o único jeito de nós termos essa riqueza de alma é nos convencermos de que há almas mais ricas do que as nossas. Porque a nossa miséria é tão grande que nós não achamos que haja almas mais ricas do que as nossas. Na hora em que a gente faz comentários teóricos, a gente é capaz de todas as [inoclasias?] e todas as irreverências possíveis… [faltam palavras] ….
… [faltam palavras] …porque haverá homens cultos, sem dúvida, mas esses homens cultos não são o que nós chamamos de homens cultos. Porque o especialista de cultura não é o grande homem culto. É excelente na cultura, é um homem um tanto universal, que tem cultura e faz mil outras coisas. Esses é que são os homens máximos, e aqui está o nosso bom Adenauer, com uma vida trabalhosíssima, mas nos seus intervalos, interessado por flores.
“Durante os seus estudos universitários, trabalhava até altas horas da noite, pois tinha a inspiração de contribuir para o sustento da família. Quando o sono ameaçava vencê-lo, colocava os pés nus numa bacia de água gelada.”
Esse homem cultivava flores, heim!
“Terminados os seus estudos, seguiu carreira administrativa, aderiu ao Partido do Centro, que era uma organização política católica.
Em 1917, foi eleito por unanimidade para o cargo de burgomestre de Colônia, durante, digo, no qual ficou 16 anos, administrando Colônia.”
Os senhores estão vendo, portanto, a ascensão do pequeno burguês. Porque Colônia era uma cidade - do ponto de vista econômico tão importantte ou mais do que Berlim e era uma capital cultural da Alemanha - um dos pólos culturais da Alemanha. Grande cidade, ferro, carvão. Os senhores não pensem que face a um berlinense um indivíduo de Colônia ia fazer o papel de caipira. De nenhum modo. Era taco a taco. Não tem nada. Todo o mundo entende, mora em Colônia, mora numa capital.
Então, agora, 16 anos burgomestre de Colônia.
“Graças á sua astúcia e arte de negociar, impondo antes de tudo respeito e depois a simpatia.”
Olhem a escola diferente do… [faltam palavras]… E olhem que era um homem perito na arte de negociar, e que a arte de negociar levou longe, mas antes impõe o respeito, e depois a simpatia. Está perfeito. Aqui é direito, ortodoxo, é ultramontano, é correto.
“Conseguiu vencer com facilidade seus adversários.”
Agora, os senhores vão ver a carreira dele como continua.
“Foi presidente do Conselho de Estado da Prússia.”
A Prússia é uma unidade federativa, um antigo reino que conservou a sua autonomia, de maneira que há um presidente do Conselho de Ministros do Reich dentro do Reich. Uma situação mais lata do que burgomestre de Colônia. Ele não era prusso, não sei também como ele foi se esgueirar para lá. Deve ter primeiro imposto muito respeito e depois simpatia e baldeou pelo lado de lá.
“E ocupou…” – aí os senhores vêem um homem bafejado pelas forças do dinheiro – “…muitos cargos de conselhos fiscais de empresas importantes.”
Isso é muito característico do alto capital. Ordenadão, os senhores podem imaginar. Ou então um homem com a vida muito bem organizada. E já um velho currículo diante de si.
“Em 1933”…
Portanto, com 57 anos, o homem tinha a minha idade, portanto com um longo passado, era um nenê, a vida ia começar. Tudo isso é um padrão humano que merece ser analisado. Vejam o seguinte:
“Em 1933, os nacionalistas conquistaram o poder…”
Os nazistas, portanto.
“…Adenauer teve de deixar Colônia, refugiando-se no Convento de Madalach.”
Acabou tudo, heim! Catástrofe. Toda a carreira política sumiu. Ele, um homem que estava nessas alturas, era um refugiado em Madalach. Mas ele estava no começo da vida dele. Isso é gente. Ele foi acusado de separatista, portanto teve de refugiar-se.
“A Gestapo o deteve duas vezes em 1934 e 1944.”
Os senhores estão vendo, portanto, que de 1933 a 1944, são portanto onze anos de ostracismo. É verdade que quando ele esteve preso no campo de concentração, ele esteve na casa do diretor do campo, é verdade, mas que grande solução para um homem que tinha ocupado tais cargos, que nostalgia, que vontade de uma outra coisa. Ele sai de lá florescente para começar a vida dele. Ele emerge dessas provações.
“Durante algum tempo, foi acusado de vários crimes, e internado num campo de concentração. Fugiu…”
Os senhores estão vendo ele pôr os pezinhos para fora do arame farpado para fugir, heim?! E acabou indo para a prisão de… [faltam palavras]… Onde talvez tenha sido pior.
“Terminada a Segunda Guerra Mundial, os americanos confiaram-lhe o cargo de burgomestre de Berlim, mas os britânicos o depuseram alguns meses mais tarde, sob alegação de incapacidade.”
É um novo desastre para um homem. Recomeça a carreira política, um… [faltam palavras]…desses horrorosos. Deve ter sido o Partido Trabalhista, qualquer horror desses.
“Este afastamento deu-lhe a oportunidade de se dedicar inteiramente à estruturação do Partido Democrata-Cristão.”
Isso é capacidade.
“Em 1948, foi eleito presidente do Conselho Parlamentar e um ano mais tarde, chefe do governo da República Federal Alemã.”
Quer dizer, quando começa a carreira dele em 1948, ele tinha 71 anos, e está entrando no palco para o canto de cisne.
“Em 1954, conquistou nos EUA o título de ‘Homem do Ano’. Os norte-americanos viram em Adenauer um homem que, partindo do marco zero, deu desenvolvimento econômico e estabilização política à Alemanha Ocidental necessitada.”
Quer dizer, na terra, deste gênero de homens, ele empolgou todos os homens.
“Nunca fumou, não bebia e levantava-se muito cedo. Ainda recentemente fazia longas caminhadas. Lia tanto quanto podia e tinha nos bolsos, invariavelmente, chocolate para os seus netinhos.”
Isso dá um conjunto que eu acho um encanto. Mas acho um encanto. A gente pensar na Europa que produz os Churchill , os Adenauer, a gente compreende que são os últimos frutos de uma tradição magnífica, que produziu coisas dessas em quantidade inenarrável. Mas o que nos interessa ver, é uma época onde isso foi um padrão alto de um tipo muito generalizado.
Por exemplo, eu sei que quando conto as coisas da Fraulein Mathilde, dá a impressão de que eu estou engrandecendo a Fraulein Mathilde, mas não é, é a Europa daquele tempo.
Eu conheci outros tipos assim. Por exemplo, uma francesa do Sul, que freqüentava minha casa, fazia massagem numa pessoa que era doente em casa, e às vezes ficava para almoçar. Se chamava mademoideselle Castegnet , que era o oposto da alemã. Mas que mimo, que inteligência, que ditos, que coisa, uma burguesinha de uma cidade dos arredores de Marselha.
Quer dizer, há uma Europa da qual nós não temos idéia. Alguém poderá me objetar: “Você diz essas coisas, mas você não toma em consideração que todas essas coisas na Europa, só quem vê é você. Porque os brasileiros que vem de viagem de lá não vem marcados com essa influência e não viram isso. Logo, talvez você exagere, levado pela sua veneração para com a Europa.”
Eu respondo: Não é, exatamente…
A Europa desta época, da época em que o Adenauer era moço, era a Europa das grandes damas, dos grandes senhores, dos grandes literatos, dos grandes toureiros, dos grandes cientistas, era uma Europa de uma grandeza prodigiosa.
Depois, tudo caiu, dos toureiros até os touros. Mas há qualquer coisa aqui que nós temos que reconhecer como é, porque faz bem para a criatura humana.
(Sr. –: Hoje em dia… [faltam palavras]…)
Abra o Petit Larousse a esmo, pegue qualquer lugar, a nota é esta: Tantos mil habitantes, não sei mais o que. Depois, produção econômica: é ervilha, perfumes, rendas. E depois entra qualquer coisa mecânica pelo meio: parafusos. É um lugarzinho mínimo. Depois, pátria deste, deste e daquele outro. Aqui se realizou tal acontecimento histórico, belas ruínas e tal monumento assim, ou então “Hotel de Ville” ou catedral de grande beleza. Depois, anualmente feira de não sei o que.
(Sr. –: E depois esses lugarzinhos, no “Michelin”, restaurante a tanto e tanto. Tem um mapa dos queijos.)
Uma beleza.
“De todos os adversários da Alemanha, o que mais temia era a União Soviética, tema de suas principais conversações em Bonn. Certa vez, perguntou a um jornalista: ‘O que quer a União Soviética na Europa?’ E respondeu em seguida: ‘Quer a Europa Ocidental, e se obtiver a Europa Ocidental intacta, será muito mais forte do que os EUA econômica e militarmente. E seu poder de resistência será muito mais forte que o da China Comunista.”
É evidente.
“Sua opinião contra os soviéticos era tão forte que certa vez criticou o Papa João XXIII. Foi o dia em que o Papa havia concedido uma audiência a Adjubei. Adenauer comentou: ‘Parece que não sabe o que está fazendo.’”
Também é só isso. Também, se o sujeito não sabe o que está sabendo, não é louco?
“Um aspecto muito pouco conhecido de sua vida é de que não teve nenhum êxito como inventor. Empreendeu uma luta sem êxito, para persuadir o Departamento de Patentes da Alemanha de que havia descoberto o princípio do motor a jato.”
Aqui o que é interessante é a diversidade.
“Adenauer sobreviveu a duas esposas. Falava gracejando das ofertas de casamento que recebia até há pouco tempo.”
Isto é o lado ridículo da Alemanha. Héricas e Conegundas querendo casar, de 50 ou 60 anos, querendo casar com um velho, e românticas, com um buquê de violetas e tudo como se fossem mocinhas. Esta é o lado de um ridículo sem nome. Pés assim desse tamanho.
“Em certa oportunidade se vangloriou comentando: Eu não podia também ter um harém.”
Agora, o que me interessava notar aqui é o seguinte: Os senhores estão vendo que se trata… [faltam palavras] …
No fim da vida dele, começou a apoiar a aproximação com o comunismo. Lembrem-se quem segundo nós chegamos a estudar aqui nas reuniões de sexta-feira, ele chegou a ser vaiado por uma assembléia de democratas-cristãos, por causa da política dele a esse respeito.
…[faltam palavras]…o senhor apresenta como portador de uma porção de qualidades que só a religião pode dar. E a minha resposta é muito simples: Essas qualidades foram dadas pela religião. E porque houve gerações e gerações de homens assim…[faltam palavras]…
…[faltam palavras]…ainda trouxe na sua hereditariedade essas possibilidades nascidas de uma fé que eles já não tinham. Mas era como um vagão que vai sendo puxado por uma locomotiva. De repente, se desliga a locomotiva, e o vagão continua a andar. Alguém dirá: está vendo como era mentira aquilo de que a locomotiva estava puxando o vagão para frente, tanto é que desligou e o vagão continuou a andar.
Faz favor. Aqui está. Isto aqui é sangue de Cristo. São lágrimas de Nossa Senhora que estão nisto. É o martírio de São Bonifácio, são séculos e séculos de Idade Média que, na sua fase de decadência, ainda produzem essas maravilhas. Aí é que está a questão. E esta é a beleza maravilhosa da Cristandade.
Agora, eu me volto para o ponto de vista primeiro: São Tomás de Aquino diz que o homem nessa vida, em algum ponto precisa ter algo de felicidade. Porque o homem totalmente infeliz em tudo não conseguiria subsistir. Diz ele que é evidente que é isso.
Adenauer levou uma vida em que a felicidade estava centrada numa idéia de esforço, esforço intelectual, para ter uma meta definida e visá-la continuamente. Esforço da vontade, para tender para esta meta definida, continuamente como o principal interesse da vida. A gente vê que ele quis ser chanceler do Reich alemão e o foi. É que ele conseguiu o que queria. E que nenhum esforço lhe pareceu difícil, nem ingrato, pois que conduzisse a essa finalidade que ele tinha.
Ora, nisso ele encontrou a felicidade dele. Porque se ele não tivesse nisso a felicidade dele, ele que não tinha os prazeres da moleza, da inação, ele não teria agüentado. É evidente. Por causa disso ele soube encontrar uma felicidade. É o protótipo do homem de famílias de pequenas camadas, que nascem do nada, mas que conservam com a pobreza uma certa austeridade que era um legado das eras de fé. E com essa austeridade, uma idéia definida e séria a respeito da vida em que – notem bem a fórmula, que não é uma fórmula vazia, é uma coisa fundamental para a vida espiritual – a felicidade não era concebida sob a forma de prazer. Há uma dissociação entre os conceitos de prazer e felicidade. O prazer é uma coisa que algumas vezes a gente toma para se distrair e tornar a vida agradável. Mas a felicidade da vida não consiste nisso. A felicidade da vida consiste em ter uma meta e visar esta meta continuamente até realizá-la. Esta é a felicidade.
E quando o individuo é construído assim e sabe encontrar nisso a sua felicidade, ele tem os elementos naturais para uma virtude que eu não hesito em chamar infinitamente preciosa: É o amor à cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. São só gerações com amor à cruz que podem ter tido netos assim, porque laicamente falando, isso é uma estupidez.
Eu considero o Adenauer um colosso…[faltam palavras]…porque se não for por religião eu não compreendo que a gente faça um esforço desses. Não vale a pena. Mas para a religião, a gente pode fazer, encontrando aí a sua própria felicidade. E, portanto, encontrando o equilíbrio psíquico, o equilíbrio emocional, o equilíbrio nervoso que leva o homem retamente até o fim de sua vida. Isto é uma espécie de subproduto do amor à cruz. Mas o amor à cruz produz isso, essa concepção séria: Eu quero tal coisa, tenho razões para querer, e não é um capricho, visarei tal coisa durante a minha vida inteira, custe o que custar, seja como for, eu chegarei até lá.
Aqui está a sabedoria natural, que vista sob este aspecto é um ilogismo horroroso, vista em confronto com as idéias que o homem deve ter sobre o mundo, um leigo, mas que é um filho do amor à cruz.
Ao mesmo tempo, vivia na Alemanha uma outra categoria de gente. É a categoria que na Alemanha corresponde à nossa classe social. Quer dizer, burgueses ricos, descendentes de [Krup de Tissena?] e de uma porção de outras coisas. Burgueses de fortuna média, todos eles com uma escola diferente a respeito de felicidade. E a escola é: a felicidade está no prazer. Ela consiste numa seqüência ininterrupta de prazeres. Prazeres da moleza, prazeres da preguiça, prazeres de todos os vícios.
Os senhores sabem qual é o resultado? Os senhores não encontram uma pessoa dessa classe social que tenha subido. Todos eles crescem como rabo de cavalo, crescem de cima para baixo, quem subiu foi essa gente aqui. Por quê? Porque eles não tinham a nossa vivência e a nossa visão putrefata perante o problema da felicidade. Quer dizer, eles consideravam infelicidade levar a vida do Adenauer, ser um chanceler, não, porque na hora de gozar é com eles, gozar frutos é com eles. Mas na hora do esforço, nada.
…[faltam palavras]…e tuti quantis, ainda que tenham pré accidens, por falta de vitalidade às vezes, uma vida sexual ordenada, são podres. Dali não sai nada. Por quê? Por que a tradição do amor à cruz morreu neles. Se há uma coisa que não há nessas classes é o amor à cruz. É essa a razão da ascensão dos imigrantes aqui no Brasil.
…[faltam palavras]…enquanto isso, o que estavam fazendo as nossas famílias? Ah, na cadeira de varanda, quente, “quiem-quiem”, abanando e conversando bobagem, o que os senhores sabem. Agora, por quê? Por causa desta escola errada, fundamentalmente errada. Então, qual é essa escola? Essa escola é a seguinte: a felicidade na vida está no gozo, e um homem privado de gozos não tem possibilidade de ser feliz. Logo, eu não agüento uma vida sem deleites. E aplica o princípio de São Tomas de Aquino, o miserável: “Eu não agüento uma vida sem deleites, porque eu preciso ser feliz em algo. Quer dizer, eu preciso gozar em algo a vontade.” No entanto, não é esta a aplicação.
Todo tratado do amor à cruz que eu devo comentar é baseado nessa distinção. E quem não tem a distinção das duas escolas não compreenderá do que se trata. Porque se trata é disto.
Então, para concluir, há duas posições: uma é a escola de Adenauer: o prazer está no conhecimento e no cumprimento das metas, formulação laicista, de algo que corresponde a excelentes hábitos herdados da austeridade católica de outrora e do precioso sangue, e das lágrimas de Nossa Senhora.
Outra é a escola de que o prazer é o gozo e que sem gozo não existe prazer, e que conduz para toda forma de decadências. É a escola hostil à cruz de Cristo.
No que consiste o perfeito amor a Jesus Cristo? A perfeita escola da cruz? Minha meta é por enlevo, por veneração e ternura, servir desinteressadamente. Com toda a minha alma e com todas as minhas forças, a Santa Igreja Católica. Dentro da Santa Igreja Católica, a causa para a qual eu sinto que a graça me chamou, dentro desta causa, no papel que me foi destinado, e aí empregar a minha vida inteira.
Para as épocas em que havia tantos católicos em que muitos levavam uma vida meramente privada, era a mesma coisa, só que em vez de falar em servir diretamente à causa, era levar uma vida honesta, mas na contemplação dos valores absolutos e preparando a alma para esses valores absolutos.
Aqui está a verdadeira escola da cruz. Esta é a cruz de Cristo. E quem não entender esta problemática, não é só dizer que não entenderá – nos comentários ao Grignion – mas não entenderá o Grignion. Não é só dizer que não entenderá o Grignion, mas, coisa muito mais triste, não entenderá a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. É preciso ter entendido isto assim.
Um dos trechos mais bonitos de São Pedro, do Evangelho, é o trecho de São Pedro quando Nosso Senhor diz uma palavra muito puxada aos apóstolos, a todos os seguidores dEle, quando Ele diz que de fato, a carne dEle era comida e o sangue dEle era bebida. E muitos se afastaram. Então, Ele se virou para os apóstolos e outros que não se afastaram e disse: “E vós também, não quereis deixar-Me?”
Então São Pedro teve essa resposta que nunca sai de minha mente: “A quem iremos, Senhor, se só vós possuis palavras de vida eterna?”
Aqui está a fórmula da coisa. A verdadeira felicidade, esse mínimo de felicidade que São Tomas de Aquino acha que é necessário para a vida, se encontra em possuir palavras de vida eterna, participar de Nosso [Senhor] Jesus Cristo, por meio de Nossa Senhora, e para nós dentro de nossa vocação.
O resto é conversa, é vaidade, é aflição de espírito. E não é outra coisa.
*_*_*_*_*