Santo
do Dia (Rua Pará) – 23/10/1964 – 6ª feira
[SD 155 e 172] – p.
Santo do Dia (Rua Pará) — 23/10/1964 — 6ª feira 1 [SD 155 e 172]
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Uma das noções que se apagaram muito a respeito do culto dos anjos é a de que o Céu constitui uma verdadeira corte * Na corte celeste há também uma hierarquia de função, de dignidade, de intercessão, da qual participam os anjos * A corte celeste serve de padrão para todas as cortes terrestres, contrapondo-se aos atuais ambientes de chefes de estado e sindicalistas * Até nas democracias verdadeiramente cristãs é indispensável que as instituições tenham um alto tônus aristocrático * Uma santa ao ver seu anjo da guarda pensou que era Deus; imaginemo-nos então vendo São Rafael, inclusive dirigindo-se a Nossa Senhora ou aos outros santos
* Uma das noções que se apagaram muito a respeito do culto dos anjos é a de que o Céu constitui uma verdadeira corte
Hoje é festa de São Rafael. Aliás, amanhã é festa de São Rafael Arcanjo, um dos sete anjos que assiste diante de Deus. Ele tem a missão de auxiliar os homens e apresentar suas preces a Deus.
Uma das noções que se apagaram muito a respeito do culto dos anjos, e que eu acharia interessante relembrar aqui, é a noção de que o Céu constitui uma verdadeira corte. Antigamente, quando eu era menino e quando a republicanização da religião tinha chegado menos longe, falava-se muito em corte celeste. Frei Jerônimo deve lembrar-se, por exemplo, devocionários — Paulo também — com referência freqüente falarem de todos os anjos e santos da corte celeste.
(Sr. –: …)
É? Ainda falava de corte celeste, é? Mas notem que está cada vez falando menos, ouviu?
A idéia de que era uma corte celeste naturalmente se funda na idéia de que Deus está perante os anjos e santos, na Igreja Gloriosa, como o rei perante sua corte.
Mas o curioso é o seguinte: que algumas coisas que são próprias às cortes existentes na terra, pelas similitudes entre as coisas da terra e do Céu, acabam existindo na corte celeste também, e se constitui corte no sentido muito mais literal da palavra do que a gente poderia imaginar.
Por exemplo, se os senhores tomam um protocolo monárquico, do tempo em que havia protocolo de monarquia, o protocolo não era, como imaginam os bobos, inclusive alguns entusiastas do protocolo, uma coisa completamente vazia, uma coisa completamente formal. Mas o protocolo era o modo de reger a existência das várias pessoas a serviço do rei, de maneira de que todas as coisas passassem de um modo prático, de um modo simples, de um modo decoroso, facilitando de todas as formas a vida do rei.
Assim, por exemplo, quando o rei chegava para receber os placets, ele atendia tendo em torno de si, nas grandes ocasiões, os príncipes da casa real, tendo em torno de si pessoas de alta nobreza, e tendo pessoas que as preces que eram depositadas por escrito. O interessado comparecia diante do rei, dizia o que queria, se alguém que era chegado ao interessado queria dizer uma palavra ao rei, algum príncipe, alguma pessoa de alta categoria podia dizer uma palavra ao rei, e depois então a pessoa entregava um dignitário um rolo de papel com seu pedido, que o rei examinava depois. Então, havia em presença do rei uma mesa sobre a qual iam se acumulando os pedidos que depois eram despachados por um Conselho especial.
* Na corte celeste há também uma hierarquia de função, de dignidade, de intercessão, da qual participam os anjos
Os senhores vêm ai a ideia de que as ordens do rei são objetos de distribuição; de que o serviço do rei é objeto de um desmembramento, e que se chega ao rei pelas mesmas escalas por onde o serviço foi distribuído. De maneira que é uma espécie de uma hierarquia, que é a corte, há toda uma hierarquia de função, uma hierarquia de dignidade, uma hierarquia de intercessão, que leva ao rei e que depois, por sua vez, procede do rei e chega aos particulares. E esse é o mecanismo de uma corte.
Na corte celeste as mesmas coisas existem em ultima análise pelas mesmas razões. Deus Nosso Senhor, que evidentemente, no sentido absoluto da palavra, não precisa de ninguém, Deus Nosso Senhor entretanto, tendo criado seres diversificados, era natural que entregasse a esses seres, junto a si, essa diferença. E era natural que esses seres possuam um brilho, um esplendor, uma dignidade na mansão celeste correspondente às tarefas de que são incumbidas, tarefas essas que, por sua vez, correspondem à própria natureza deles. E é de acordo com essa ordem de coisas que os homens, se fossem regidos pelos anjos…
(…)
… fossem intercessores, os anjos fossem intercessores dos homens junto a Deus.
* A corte celeste serve de padrão para todas as cortes terrestres, contrapondo-se aos atuais ambientes de chefes de estado e sindicalistas
De maneira que é verdadeiramente uma vida de corte, com um protocolo de corte, com uma dignidade, dignidade de corte, que serve de padrão para todas as cortes terrestres e que indica a necessidade de um protocolo, indica uma necessidade de uma hierarquia, indica a necessidade de uma diversificação de funções e indica, em suma, a necessidade de uma corte.
Os senhores têm bem exatamente o contrário disso — me desculpem a baixa de nível — nas fotografias da era do Jango. Causava-me horror ver aquelas fotografias do Jango aparecendo em público, arrastando aquela perna dele, capenga num sentido muito mau da palavra, arrastando aquela perna dele, apertado por uma porção de gente, que às vezes era até menos cafajeste que ele próprio. De maneira que ele fazia um pouco o papel de lacio lacaio de sua própria comitiva em algumas circunstâncias. Em outras circunstâncias, ele aparecia como verdadeiro príncipe, de tal maneira ele era fino em relação à turba-multa cafajeste que ele arranjava. Era o discurso de chefe de Estado moderno, discurso de chefe de sindicalista.
Não é, por exemplo, como esta reunião aqui, em que para a hierarquia ser completa só faltava que estivesse presente o Frei Jerônimo Van Hintem sentado aqui à mesa. Mas um discurso, quer dizer, a pessoa está isolada.
O discurso sindicalista é uma pilha de gente atrás, vinte, trinta microfones, gente em volta conversando, ele interrompe o discurso, dá uma ordem para aquele e aquele outro, ele conta uma piada, ele responde, depois continua a falar para a frente de novo, pára. Aquele discurso de Fidel Castro de cinco horas na televisão, continuamente. Pára, bebe leite, bebe água, canta, conversa com a esposa — esposa entre aspas —, depois recomeça todo o discurso. Uma bagunça em que não há ordem, em que não há compostura, não há dignidade, e essa carência de ordem, compostura e dignidade constituindo igualdade e democracia.
Ao contrário, nós temos nas cortes serenas, no estilo aristocrático-monárquico de se passarem às coisas, nós temos exatamente essa especialização, essa diferenciação, essa hierarquia que sobe e que desce, e que é a própria imagem do Céu.
Aí os senhores compreenderão melhor aquela afirmação de Pio XII que até mesmo nas democracias, desde que elas sejam verdadeiramente cristãs e, portanto, desde que não sejam democráticas a não ser no sentido…
(…)
* Até nas democracias verdadeiramente cristãs é indispensável que as instituições tenham um alto tônus aristocrático
… cristão da palavra, que nas democracias, até nelas, nas democracias verdadeiramente cristãs, é indispensável que as instituições sejam de um alto tônus aristocrático.
E a festa de São Rafael nos conduz exatamente a essa ideia . Os senhores estão vendo um intercessor celeste, um intercessor de alta categoria, um intercessor que, segundo…
(…)
… conhecimento que eu tenho, é padroeiro especial dos doentes, que leva nossas preces a Deus porque é um dos espíritos que mais alto assistem junto de Deus e que, portanto, nessas condições está mais próximo para pedir a Deus por nós e que são os canais naturais das graças que nós desejamos.
Essa consideração nos leva então à ideia de nós reforçarmos cada vez mais em nós o desejo de que as realidades terrestres sejam semelhantes às realidades celestes. Porque apenas na medida em que nós amarmos as realidades terrestres parecidas com o Céu é que nós preparamos a nossa alma para o Céu. E se ao morrermos nós não tivermos apetência das realidades terrestres parecidas com as celestes, nós não temos apetência do Céu.
De maneira que há algo nesse espírito, espírito de hierarquia, espírito de distinção, espírito de nobreza, de elevação, há algo dessa hierarquia que é uma verdadeira preparação nossa para o Céu.
Essa preparação para o Céu é para nós tanto mais desejável, quanto nós vamos afundando num mundo de horror. Nós vamos afundando num mundo em que cada vez mais todas as exterioridades de que nós tomamos contato são “rinoceronticas,” monstruosas, caóticas, desorganizadas. E é uma necessidade de espírito humano, para não afundar no desespero, que ele possa pousar as suas vistas extenuadas e doloridas em algo que anda bem e que funciona bem.
Não é próprio ao homem viver no mare magnum de coisas que afundam, que caem, que se deterioram. Em algum lugar ele tem que pôr a sua alegria, ele tem que pôr a sua esperança. Mas de tal maneira tudo quanto é digno está desaparecendo na terra, que ou nós vamos tendo cada vez mais o nosso desejo, a nossa esperança no Céu, ou nós não temos mais condição psíquica de sobrevivência na terra.
Então, eu gostaria de lembrar aos senhores, à vista dessa circunstancia, enfim, uma pequena comparação antropomórfica, mas para nós…
(…)
* Uma santa ao ver seu anjo da guarda pensou que era Deus; imaginemo-nos então vendo São Rafael, inclusive dirigindo-se a Nossa Senhora ou aos outros santos
Eu já tinha dito aos senhores que São Miguel poderia ser… a gente poderia saber algo a respeito da mentalidade — se pode dizer isso de um anjo — dele visitando a abadia de São Miguel, na França, e dei as razões disso. A respeito de São Rafael, o que nós poderíamos pensar? Os senhores imaginam o seguinte:
Eu não me lembro mais qual foi a santa que teve uma revelação em que ela viu o seu próprio anjo da guarda. Era um ser de uma natureza tão elevada, tão nobre e tão excelsa, que ela se ajoelhou diante dele e pensou que fosse o próprio Deus. Ele então teve que explicar a ela que ele era o anjo da guarda. E nós sabemos que os anjos da guarda são da hierarquia menos alta que existe no Céu.
Em comparação com isso, o que nós podemos imaginar de um anjo que seja como São Rafael, das mais altas hierarquias? Evidentemente uma coisa para nós inimaginável.
Mas para nós não ficarmos na concepção de um puro espírito, para nós darmos a isso uma nota um pouco antropomórfica que nos faça degustar melhor essa imagem, nós poderíamos imaginar, por exemplo, São Rafael tratando com Nossa Senhora e dirigindo-se a Nossa Senhora no Céu, pensando em São Luís, rei de França, falando com Branca de Castela.
É sabido que ele era um homem de alto porte, de grande beleza, muito imponente, e de maneira tal que ele ao mesmo tempo atraía, incutia um respeito profundo e suscitava um grande amor, que ele tinha o todo de um guerreiro, era terrível na hora do combate, e que ele era o rei mais pomposo e mais decoroso do seu tempo. Nós podemos…
(…)
… esse rei, no qual transluziam todas as glórias da santidade, e sabendo que ele era um filho muito amoroso, podemos imaginá-lo nos esplendores da corte de França se dirigindo a Branca de Castela e falando a ela. Quanta distinção, quanto respeito, quanta elevação, quanta sublimidade nessa cena.
Essa cena nos dá um pouco do que seria São Rafael se dirigindo a Nossa Senhora, do que seria São Rafael… Um rei como São Luís era uma espécie de anjo na terra; São Rafael vagamente pode ser considerado com uma espécie de São Luís celeste. Um príncipe celeste, apenas com a diferença de que São Luís era rei e São Rafael não é, e Nossa Senhora é Rainha a um título muito mais alto de que Branca Castela.
Então, por esta transposição, podemos um pouco ter a idéia, à maneira de homens, da alegria de que nós vamos estar inundados no Céu quando nós pudermos contemplar um arcanjo como São Rafael, tudo quanto nós veremos de Deus contemplando São Rafael.
Peçamos a ele que nós tenhamos esta contemplação, mas peçamos também que algo dessas idéias penetrem em nós nesta vida e que a consideração dessa ordem ideal e realmente existente, a consideração dessa ordem nos conforte para uma esperança do Céu e do reinado de Maria, levantando toda a tristeza crescente destes dias em que a Bagarre vai tão rapidamente se aproximando de nós.
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1) Nota do conferidor: Este Santo do Dia estava como 23/10/1965, mas suponho ser de 23/10/1964, por duas razões. 1ª- Porque já existe um outro texto com esta mesma data. 2ª- Porque existe outra versão desta reunião no microfilme SD 155 onde vem indicado o ano de 1964, sem o dia e mês.