Santo do Dia (Auditório da Santa Sabedoria) – 4/10/1964 – Domingo [SD 010] – p. 5 de 5

Santo do Dia (Auditório da Santa Sabedoria) — 4/10/1964 — Domingo 1 [SD 010]

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Apesar das condições nada propícias, muitos milagres se operam em Aparecida, confirmando a fé do povo * Confirma a devoção na misericórdia de Nossa Senhora e estimula a oração e o pedido de graças espirituais * Quanto é legítimo pedir favores materiais para incrementar a confiança na misericórdia divina * Ter desapego, sabendo que Deus atende como quer, mas sempre atende * A idéia do Pai que afaga e da Mãe que consola é indispensável para a vida de piedade correta * Como nasceram os vínculos do Sr. Dr. Plinio com o quadro de Mater Bonni Consilii do Colégio São Luís

* Apesar das condições nada propícias, muitos milagres se operam em Aparecida, confirmando a fé do povo

Hoje não há propriamente Santo do Dia. Nós estamos na novena de Nossa Senhora Aparecida e eu deveria dizer, portanto, mais uma palavra a respeito.

Eu acho que uma consideração que caberia a respeito de Nossa Senhora Aparecida é a natureza das graças e das curas que ali se têm operado. Infelizmente, nunca se fez um gabinete de exame médico das curas ali operadas, se bem que eu fosse muito partidário da idéia de o fazer.

Eu compreendo até que se possa admitir estas curas, grosso modo, como verdadeiras. Porque eu tenho impressão que não é de admitir que em nenhum lugar do mundo, a não ser em certos santuários da Igreja Católica, a sugestão opere de tal maneira que cure toda a espécie de coisas rapidamente, ou pelo menos freqüentemente, de maneira tal que seja uma fieira de curas de um lado, enquanto estas curas não se operam em nenhum outro lado nas mesmas proporções nem do mesmo modo, etc. Seria atribuir à sugestão um valor que francamente não se compreende como ela pode ter no caso.

Depois Aparecida nós conhecemos. Não é um lugar de misticismo exaltado. Pelo contrário, os arredores de Aparecida são de um comercialismo exaltado. E a única forma de entusiasmo ruidoso que se nota lá — eu digo ruidoso — é daqueles comerciantes que procuram vender suas mercadorias. Chamam, olham: “Olha aqui um crucifixo barato, Nossa Senhora já custa tanto”, e esta coisa toda. É a única forma de coisa que se nota ali.

Uns botequins ordinaríssimos, com uma comida incheirável — já não digo incomível, mas eu digo incheirável — e toda a desolação, feiúra e pobreza do Brasil caipira e da imigração estadeada lá. Quer dizer, exatamente o que o Brasil tem de menos bonito.

Agora, neste clima pouco propício à sugestão, pela razão que eu acabo de dar, neste clima pouco propício haver tantas curas como há em Aparecida, evidentemente é uma coisa que deveria chamar a atenção e que pediria uma análise médica de um caráter especial. Infelizmente não se pensou nisto.

Antigamente havia entretanto uma sala de milagres em que eram expostos os ex-votos correspondentes às graças obtidas e se colecionavam também fotografias e cartas das pessoas que escreviam contando graças obtidas. Há muito tempo eu não ouço mais falar da sala dos milagres. E eu não duvido nada de que por ecumenismo esta sala dos milagres desapareça. Porque eu compreendo que possa “incomplexar” os nossos irmãos separados o ver tanta cura lá e não haver nem na Igreja Presbiteriana, nem na Metodista ou em outros “receptáculos da graça, da virtude e da fé” que nós estamos descobrindo em torno da Igreja Católica, a uma distância próxima, grande ou até imensa. De maneira que eu compreendo que tudo isto caminha para o desaparecimento.

Sem embargo disto, nós devemos admitir que uma tão grande soma de curas, umas pelas outras indicam milagres. Indicam a existência de graças muito especiais de Nossa Senhora. E indicam que Nossa Senhora quis conceder estas graças ao povo para confirmar na fé.

* Confirma a devoção na misericórdia de Nossa Senhora e estimula a oração e o pedido de graças espirituais

Quer dizer, a graça do milagre tinha sobretudo uma utilidade espiritual, que era a utilidade de confirmar na fé uma multidão de pessoas. Em segundo lugar, a graça de confirmar na devoção a Nossa Senhora e no sentido da misericórdia de Nossa Senhora, da bondade de Nossa Senhora. Em terceiro lugar, a graça de estimular para a oração, porque compreendendo por estes favores quanto a oração é ouvida, muita gente que nem vai a Aparecida tende a rezar para lá, tende a voltar os olhos para lá, pedir favores. De maneira que é um estímulo da graça das orações.

Mas há uma outra coisa também que eu acho que hoje é o caso de a gente mencionar, que antigamente não era bastante visto, que antigamente era exageradamente visto, e que me parece que é, vamos dizer, a lição atual das graças de Aparecida. A coisa é esta:

Antigamente havia uma mania de só pedir graças de caráter material. Esta mania ainda existe em muita gente. Só pede para curar a garganta, para tirar loteria, enfim, para coisas deste tipo. Agora, graças de caráter espiritual, muito poucas.

* Quanto é legítimo pedir favores materiais para incrementar a confiança na misericórdia divina

Nós, entretanto, vemos passando-se em algumas mentes um feitio diverso, que talvez seja pior do que o primeiro, e é achar que as graças temporais a gente não deve pedir, que a Nossa Senhora a gente deve pedir apenas as graças espirituais, porque como as temporais são muito “pocas”, a gente não deve pedir, não deve amolar Nossa Senhora com coisinhas. Mais ainda: que a gente deve ser desprendido e que o desprendimento nos deve levar a não pedir as coisas temporais.

A este respeito, eu acho que caberia também uma ponderação adequada na novena de Nossa Senhora Aparecida e a propósito das graças temporais: curas, situações domésticas arranjadas, negócios realizados, etc., que tão freqüentemente se noticiavam a respeito de Aparecida. E o comentário é este:

É claro que há graças que a gente pode pedir sem propósito. Há um modo de desejar as graças que é um modo apegado, um modo errado. Da faculdade de pedir graças temporais o homem pode abusar, como pode abusar de tudo. E é claro também que esses abusos freqüentemente foram grandes. Mas, como diz a expressão velha e até surrada, o abuso não suprime o uso. E o fato de se ter abusado de uma coisa, não leva a conduzir à idéia de que é errado usar-se dessa coisa.

E sabendo Deus, conhecendo Deus que a alma do homem é freqüentemente voltada para as coisas desta erra, Deus muitas [vezes] deixa o homem cair em aflições nas coisas desta terra para que ele peça algo de terreno. E para que, conseguindo algo de terreno, ele depois se afeiçoe a Deus e comece um verdadeiro amor de Deus. Ele se habitua a rezar, ele se habitua a pensar na Providência, ele se habitua a contar com a misericórdia de Deus protegendo a vida dele, e com isto ele se transforma num homem que tem um começo de vida espiritual, que depois pode alargar-se, pode dilatar-se e pode dar um resultado excelente para a vida espiritual.

Mais ainda: mesmo para as pessoas que estão muito adiantadas na vida espiritual, há uma certa vantagem em certas ocasiões, de que Deus é juiz, de sentirem a benignidade do Bem, mesmo em algumas coisas que são favoráveis desta terra. Porque é uma espécie de prova de manifestação que Deus dá de que, afinal de contas, Ele tem pena, de que compreende as agruras desta vida, de que Ele não é indiferente aos sofrimentos, mesmo passageiros, dos homens, e que com grande misericórdia e com grande bondade Ele intervém com freqüência na nossa vida para acertar as nossas coisas.

* Ter desapego, sabendo que Deus atende como quer, mas sempre atende

A questão é pedir a Ele com desapego, [se] sujeitar à superior, à infinita sabedoria d’Ele, estar disposto a aceitar bem de não ser atendido, compreender que nossa oração é atendida sempre, mas que às vezes não é atendida do modo pelo qual nós pedimos porque não convém a nós, porque nossa santificação pede outra coisa, mas que neste caso se nos dará outra coisa ainda melhor, mas que nunca uma oração fica sem fruto, absolutamente nunca uma oração fica sem fruto, e recebermos com gratidão aquilo que a misericórdia divina queira nos dar.

Quer dizer, fazer pedidos destes, com este estado de espírito, com este desapego, é coisa boa, é coisa louvável, é coisa estimulada por inúmeras ações de Nosso Senhor em sua vida terrena, por inúmeros fatos que contam na vida dos santos, por inúmeros milagres que eles operaram.

Eles mesmos e tudo isto não exclui como contraforte o que eu acabo de dizer. E na harmonia destas verdades aparentemente contrárias entra um equilíbrio que é a marca da Igreja Católica e que deleita verdadeiramente o espírito humano. De maneira que eu gostaria de … [inaudível]… podemos pedir o favor de Nossa Senhora.

* A idéia do Pai que afaga e da Mãe que consola é indispensável para a vida de piedade correta

Eu me lembro de um caso que eu já comentei aqui que é muito significativo, de uma santa mártir que tinha pavor de morrer no Coliseu… no circo, quero dizer. E ela tinha sobretudo pavor do leopardo. Não sei porquê, ela tinha mais medo do leopardo do que qualquer outra fera. Então pedia a Deus que pelo menos não fosse morta por um leopardo. Na hora de soltarem as feras, ela viu que não havia leopardos: ela foi comida por um leão. Mas aí vem um sorriso de Nossa Senhora e uma condescendência de Nossa Senhora: mesmo na hora de pedir um sacrifício extremo, quer dizer, uma espécie de afabilidade, uma espécie de afago, uma espécie de amenidade, sem o que as nossas relações com Deus não são relações católicas.

A introdução desta nota, portanto, me parece muito importante, e todos os fatos que cercam a devoção a Nossa Senhora Aparecida são na linha desta nota.

Eu me lembro [de] outra: Santa Terezinha do Menino Jesus.

Santa Terezinha passou toda a sua vida religiosa numa aridez tremenda. Ela foi vítima expiatória e morreu de uma morte terrível. Entretanto, no dia em que ela professou, contra todas as circunstâncias do ambiente, de clima, estações da Europa muito regulares, etc., o Carmelo apareceu todo coberto de neve, porque ela tinha tendência, o gosto, de os fatos da vida dela se darem em dias que houvesse neve, etc. O prado interno do Carmelo e uma imagem do Menino Jesus estavam cobertos de neve.

É um afago de Deus mesmo quando Ele pede coisas muito severas. E esta idéia de um Pai que afaga, de uma Mãe que consola e condescende, que se associa à nossa vida, eu acho indispensável para uma vida de piedade bem conduzida.

Então eu gostaria de deixar isto dito na noite de hoje, submetendo sempre ao placet do nosso teólogo.

* Como nasceram os vínculos do Sr. Dr. Plinio com o quadro de Mater Bonni Consilii do Colégio São Luís

Ah, uma palavrinha. Há um pedido do Emílio que eu explique que relação existe entre o nosso apostolado e a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho existente no Colégio São Luís, não é verdade?

A razão que eu conheço, única, é individual. Talvez os senhores tenham ouvido falar disto.

A razão individual é que os piores anos de minha vida, os mais difíceis e em que eu corri mais risco de apostatar foram os meus anos de menino, no Colégio São Luís. E houve um momento em que eu desesperei completamente de ser bom católico, de perseverar, de me santificar, etc. Desisti completamente.

Nisso propuseram o meu nome para congregado mariano. E eu tive uma graça de Nossa Senhora, no momento muito discreta e muito sem nada de visões, nem estalinhos, nem brilhos, os quais nunca tive em minha vida, mas, enfim, senti-me interiormente movido a olhar durante o mês de Maria a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho. Senti-me interiormente movido.

É o seguinte:

Eu olhei para Ela, olhei o jeito de Ela afagar o Menino Jesus, eu me lembro o que se passou na minha cabeça. Afagar o Menino Jesus e pensei de mim para mim: “Afinal de contas, veja como Ela é boa! E não há razão para eu estar ofendendo tanto a Ela. Tanto mais que eu sei que Ela é bem o que esta imagem diz”.

E esse pensamento teve um pouco de movimento no meu espírito … [inaudível]… o seguinte: “Se Ela me fizer entrar para a Congregação Mariana, eu me endireito. Mas eu bem mereço, pela minha má conduta no colégio, não entrar para a Congregação Mariana. Mas também eu desesperar, não”. Fiquei em “ponto morto” durante uns vinte dias, entre a proposta e a admissão.

Afinal o Pe. Roumani me chamou e me disse:

Plinio, vem cá. Eu vou dar a resposta do Conselho da Congregação Mariana a respeito de sua entrada. Você o que é que pensa? Você é digno de entrar ou não?

Pensei com meus botões: “Que eu não sou, não sou. Mas se eu for dizer isto para ele, eu não entro. E como é que eu me arranjo? Quer dizer, como é que eu vou me sair desta?”. E abrasileirei. Uma resposta assim que quer dizer tudo e nada.

Eu me lembro que, não sei porque, porque eu nunca dei margem a este gênero de carícias, ele pegou a minha mão entre as duas mãos dele e fez assim: “Esteja contente, você está aprovado, porque a opinião unânime foi que você é um muito bom menino”. E não era.

Pensei: “Upa! Mas Nossa Senhora me fez este contrabando! Eu não presto, e acabo até passando como quem presta. Não, senhor! Eu vou acertar o passo”.

Daí por diante, nos anos em que eu estive no Colégio São Luís, sempre rezei muito para esta imagem. E, evidentemente, nunca eu vou ao Colégio São Luís sem rezar muito para esta imagem, porque isto ficou indelevelmente gravado em meu espírito.

Tudo eu respondi, apenas para ter o prazer de responder sua pergunta, porque, como vê, são fatos pessoais que não estabelecem uma vinculação entre o nosso apostolado e a imagem, mas apenas entre fatos de minha vida pessoal e a imagem. Mas, enfim, para responder, aí está.

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1) Nota do conferidor: A data deste Santo do Dia parece estar errada por duas razões: 1ª- Não havia Santo do Dia aos domingos; 2ª- Há uma reunião sobre o mesmo tema no dia 5/10/1964 na qual o Sr. Dr. Plinio afirma ser um tema pouco tratado entre nós. Ora, ele não afirmaria isso se houvesse tratado dele no dia anterior.