Reunião Normal — 30/5/1964 — Sábado – p. 6 de 6

Reunião para o Grupo da Martim 1 — 30/5/1964 — Sábado

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Obscuridade, glória e oposição na vida de Nosso Senhor e do Grupo

* Alguns comentários do Sr. Dr. Plinio sobre o que Fillion escreve a respeito da reconstrução do templo de Jerusalém

Eu li o Fillion, as notas que eu tomei foram em certo número. Foram as coisas que a mim me causaram, me pareceram objeto de interesse para mim na leitura do Fillion. Eu não posso saber, portanto, se para o Grupo aqui é de interesse. Porque às vezes, certas coisas que para um na leitura do Evangelho interessa muito, para outro é muito banal, muito bobo. Varia muito de pessoa para pessoa.

Eu vou apresentar a coisa como eu a vi, alguns comentários esparsos do Fillion, ainda que seja um, dois ou três, para ver se vale a pena continuar ou não, como é que é a coisa, etc. Depois, então, nós podemos dar uma orientação melhor ao caso. Porque também não posso reler o Fillion. Eu tomo nota do que eu anotei, que a mim parecia interessante, e depois vai para frente.

Um dado, por exemplo[inaudível]do Fillion. Fillion está falando a respeito da oração do ministério de Nosso Senhor, e ele, a horas tantas, fala a respeito da inauguração do templo de Jerusalém. Eu já fiz aqui esse comentário da inauguração do templo de David, mas o segundo, porque o templo de David foi destruído quando eles foram levados lá para o cativeiro de Babilônia, e quando eles voltaram — foram libertados pelos persas — e voltaram para Jerusalém, então se fez uma reconstrução do templo. Então, quanto a este segundo templo ele diz o seguinte:

Esta reconstrução foi iniciada, foi inaugurada no ano de 734 de Roma, ou seja, no ano de 20 de Jesus Cristo”.

Esta reconstrução foi inaugurada no ano de 734, quer dizer que foi inaugurada a coisa recém-construída, entende?

Mas, de fato, o templo não foi inteiramente terminado, senão muitos anos depois, quer dizer, nos anos 62, 64 depois de Jesus Cristo, pouco antes da sua destruição pelos romanos”.

Quer dizer, então, que Jesus Cristo previu a destruição do templo e houve o terremoto por ocasião da morte dEle. Apesar de ter havido o terremoto por ocasião da morte dEle, que destruiu uma parte do templo que eles tiveram que refazer, e Nosso Senhor Jesus Cristo ter profetizado a destruição do templo, eles tiveram uns trinta anos, mais ou menos, em que eles reconstruíram o templo, eliminaram os danos causados pelo terremoto da morte de Nosso Senhor e fizeram a festa da inauguração. E depois da festa da inauguração ainda continuaram em[ilegível], e Nosso Senhor deu tempo a eles para terminarem inteiramente as obras da restauração, e pouco tempo depois destruiu.

* A sabedoria punitiva de Deus permitiu a conclusão do templo para em seguida o destruir

Agora, vejam quanta coisa de simbólica e de importante e de digno de raciocínio me parece haver dentro disto. Primeiro essa obra de Deus, que quis que eles acabassem para destruir completamente. Quer dizer, é muito maior o castigo eles tendo tido tempo de acabar, e de acabar em tudo, para depois destruir tudo.

(Sr. –: [Inaudível])

A reconstrução começou logo, séculos depois [antes] de Nosso Senhor, logo depois de voltarem da Assíria (?), do cativeiro. É, porque são obras enormes. Bom, vejam como a destruição é uma destruição mais completa.

Na ordem concreta dos fatos, é mais ou menos a mesma coisa que eu dizer o seguinte: Eu quero proibir Fulano de pintar um quadro; ou por outra, eu não quero que tal quadro seja exposto, que Fulano está fazendo. Eu tenho dois modos de castigar o Fulano. Um é dizer que não acabe a pintura; outro é deixar pintar e dizer: Bom, agora que eu te deixei pintar, você vai[inaudível] . É evidente que a segunda obra é muito mais punitiva.

E vejam a sabedoria punitiva que entrou nisso.

* As demoras de Deus, os ziguezagues e os imprevistos na reconstrução e destruição do templo de Jerusalém são como os ziguezagues da vinda da “Bagarre”

Mas vejam, de outro lado, para os cristãos do tempo, que não viam isso, a fonte de desânimo. Sessenta anos é uma vida! Eu estou com cinqüenta e cinco, vou fazer cinqüenta e seis, pelo menos se viver até o fim do ano. Quer dizer, sessenta anos, calculem o que é que é. Há sessenta anos atrás o Brasil estava em 1904, não é verdade? Vejam quanto tempo correu de lá para cá. Os cristãos vendo reconstruírem o tal templo que ai ser destruído, é até inaugurado; depois de inaugurar, eles ainda fazem obras, está compreendendo? Parecia Deus ter abandonado completamente, quando vem a cólera de Deus sobre aquilo e liquida! Quer dizer, o modo pelo qual vêm as demoras de Deus; e naquilo que Deus prevê depois vêm os ziguezagues, as coisas com que ninguém contava, os imprevistos. Realiza afinal, mas de um modo até mais radical do que a gente supunha, mas com tanto ziguezague. Isso são um pouco os ziguezagues da vinda da Bagarre, e nos dão um pouco a idéia do vaivém das coisas. E podem imaginar a provação dos primeiros cristãos como era.

É uma pequena observação, é um pequeno [fato] extraordinário da vida da Igreja, que me pareceria, portanto para mim, foi útil considerar isso. Pode ser que para os senhores seja diferente. Mas, enfim, eu dou o que me passou pela cabeça.



* Cada ano da vida pública de Nosso Senhor corresponde a uma característica distinta: obscuridade, glorificação e oposição

Um outro ponto do Fillion seria o seguinte… Agora eu tenho receio que os comentários exatamente sobre partes muito diferentes do livro sejam fatigantes, está compreendendo? Esse é muito mais interessante:

O ministério público de Nosso Senhor.

Os três anos da vida pública de Nosso Senhor — eu leio o Fillion — nós os dividiremos, esses três anos de vida pública, em três períodos, que correspondem mais ou menos, desde a primeira, até a [quanta Páscoa?] da vida pública de Jesus. A cada um desses anos deu-se um nome que resume bem o caráter geral daquele ano. Houve o ano da obscuridade, o ano da glória pública e o ano da oposição. Esta última chegará diretamente até o Calvário”.

Isso é altamente sugestivo para a gente compreender a vida de Nosso Senhor. Então, o Fillion adiante explica: no primeiro ano Ele formou seu grupinho; no segundo ano, Ele apareceu em público com o grupinho, e Ele foi muito bem recebido, Ele foi glorificado pelo público. Mas Ele começou a expor a doutrina dEle inteira e o público começou a afastar-se dEle. Então, quanto mais o último ano, que é o ano da oposição, vai para a frente, a luta é maior, Ele comparece menos em público e fica mais tempo com aqueles que ficaram fiéis àquela grande pregação. Então, quando Ele morre, a luta chegou ao auge, Ele está quase confinado a um grande número de íntimos, mas que já não é o público, e que Ele está preparando para serem a semente da Igreja depois de Pentecostes. 

* Como esses três períodos correspondem à história do movimento mariano em São Paulo e à história do Grupo

Eu acho que há tanta coisa que se poderia dizer a respeito disso, mas tanta[inaudível]que eu nem sei se é o caso de dizer, não é? Mas os senhores compreendem bem que há aqui na vida de Nosso Senhor muito mais do que simplesmente o episódio histórico. Mas Nosso Senhor é prototípico, aliás, é arquetípico, e o que se dá com Ele é algo de tão característico, que com os fiéis dEle se dará de algum modo. E quando os fiéis entram em luta contra um povo infiel, a coisa é assim: eles entram, um povo, vamos dizer, um povo que estava numa situação ambígua; há uma primeira apresentação, há uma glória, há um choque com os elementos ruins, e depois há a salvação, os salvados dessa história, que são aproveitados para uma obra que vem depois.

E é interessante notar como isso corresponde à história do movimento mariano em São Paulo, e como de algum [modo] corresponde também à história do Grupo. Porque a história do movimento mariano, para não falar demais de nós — o Fernando, o José Fernando, um pouco o Castilho, acompanharam isso — foi assim. Primeiro foram pequenos grupos que fermentaram, depois chegaram a um período de glória, que atingiu [um] auge talvez com a Constituinte, e depois começou a separação e a perseguição. E dessa coisa perseguida salvou-se um creme, que é o fruto de várias coisas, que está aqui na sala: congregação de Santa Cecília, congregação do Arquidiocesano, congregação do — o Castilho não foi ainda — do São Bento. Você foi congregado, não foi? Bom, congregação do padre[inaudível], congregação do Ginásio [do estudo?] D. Ernesto de Paula — José Fernando lembra um pouco dessa história —, salvados que dão depois para a fundação de uma outra obra.

Quer dizer, é o processo típico do entrechoque de um país que estava, como os judeus, entre o bem e o mal, na confusão, e que dá essa encrenca e que separa isso. Então compreende-se muito bem o papel das catástrofes dentro de nosso apostolado, e como essas catástrofes são depurações quase necessárias, não são cataclismos. Embora possam ter aspectos, porque a catástrofe tem aspecto de irreparável, é evidente, senão não seria catástrofe, é uma coisa evidente. Mas a gente compreende que não, que está na própria coisa da germinação: se o grão não morrer, se ele não se deteriorar, ele não produzirá fruto, etc. Porque o esquema, por exemplo, da história do catolicismo, poderia ou não poderia ser este? Não é?

Bem, nós sabemos que grande número de cristãos nos primeiros tempos, na primitiva Igreja, eram judeus, e que o número de judeus que aderiu a Nosso Senhor — a nação O crucificou — mas o número que aderiu era formidável, mesmo dos tais dos judeus da diáspora. Foi uma maioria, mas uma maioria que considerada, não na escala nacional, mas na escala individual — uma maioria não, uma minoria — que foi uma minoria grossa , não é? Que foram x salvados dessa ação de Nosso Senhor, e a matéria-prima com que Ele preparou Sua Igreja. Estão vendo: são pontos muitos desconexos ao longo de uma leitura, mas ficam aí as sugestões.

(Sr. –: [Inaudível])

Não, está na terceira. Mas sabe o que é que tem? É o seguinte: essa fases, por sua vez, se sucedem. Nós tivemos agora uma espécie de segunda, que pode dar numa terceira. Quer dizer, nós reerguemos outra coisa — está compreendendo? — essa outra coisa[inaudível]como a história da Igreja que passa ciclicamente por isso.

(Sr.–: [Inaudível])

Nós tivemos uma segunda; talvez cheguemos a uma segunda plena, antes de cair. Depende.

(Sr.–: [Inaudível])

Ah, não, aí é diferente. É como que depois de Pentecostes.

(Sr.–: [Inaudível])

É, perfeitamente, perfeitamente. Aí pode ser que tenhamos[inaudível].

* Desagrado do Sr. Dr. Plinio ante uma descrição do Fillion, baseada no historiógrafo Pilon: Pôncio Pilatos não teria sido mole e indeciso, mas violento e cruel

Bem, vamos ler só mais um fato e depois nós encerramos. [L4, 24?] Ah, é muito menor. Vejam aí a diferença de nível das coisas, mas também para mim parece interessante: a personalidade de Pôncio Pilatos. A gente tem impressão de Pôncio Pilatos mole, um tipo desfibrado[inaudível] não foi essa. E como Pôncio Pilatos e aquelas pessoas todas, ao mesmo tempo de serem pessoas reais, são símbolo, para a gente compreender o símbolo.

Vale a pena ver o que a História nos diz de Pôncio Pilatos, da atuação de Pôncio Pilatos antes. E é meio desconcertante. Diz ele o seguinte:

Nós tivemos ocasião de caracterizar a sua conduta em relação a seus administrados”.

Isso então é no tomo primeiro, [inaudível]tomo segundo,[inaudível].

Não é pois sem razão que o teósofo Pilon, que é uma fonte muito conceituada de história hebraica, incrimina Pôncio Pilatos de ‘corrupção, violência, rapina, maus tratos, vexações, perpétuas escusas, execuções sem julgamento prévio, crueldade sem número e insuportáveis’”.

E essas são as próprias palavras do Pilon. Para a gente compreender o homem, fica então ainda mais singular que ele tenha tido atitude moderada na hora da condenação, compreende? Mas a gente também compreende — compreende, acha mais excepcional, mais singular — a moleza e acha, de outro lado, mais extraordinária, mais explicável a crueldade que estava envolta naquela moleza. O que destrói um pouco o símbolo tão claro do homem mole, espécie de Luís XVI, para focalizar um pouco de outro modo as coisas.

Será que esse Pilon tinha inteiramente razão? Há toda uma tradição católica de tal maneira apresentando como mole e indeciso, que eu fico um pouco na dúvida. Então, fica um dado elaborado no meio da coisa, mas que dá margem a considerações, a interpretações.

(Sr. –: [Inaudível])

Não, a idéia que eu tinha é um homem estrutural e temperamentalmente mole e indeciso. Nesse ponto esse dado abalou minha idéia. Agora, eu não tenho tempo de colocar todas essas coisas em ordem de matéria. Fica muito desnorteante de tal maneira passar de[inaudível] …, não? Quer dizer, compreendem que são comentários inteiramente diferentes à margem. Que é que há, Arnaldo? Você ia dizer alguma coisa? Você quer? Bem, então poderíamos nas outras reuniões tratar por aí e hoje encerrar. 

* Elogios e reparo ao livro do Fillion

Ah, Fillion é o supra-sumo! Vamos dizer, na era de São Pio X, que teria terminado com os maus desenvolvimentos da época em que viveu, como o Amazonas entra pelo mar, algo de São Pio X entrou até Pio XI. Até uns vinte anos atrás, o Fillion era reputado, em matéria de Cristologia, a última palavra do supra-sumo. É um padre que tem muitas obras e parece que todas excelentes. Eu tenho gostado muito do livro dele.

Não quero dizer com isso que eu acho tudo no livro perfeito, mas é um livro muito bom, de muito boa erudição, etc., etc. Eu só encontrei um lado fraco no livro: é uma ocasião em que ele se cita a si próprio dizendo que ele é engraçado. Isso é fraquíssimo. Ele fala daquela história dos montes, ordem para os montes mudarem de lugar[inaudível]um ar[inaudível] …“avec esprit”; “Isso não quer dizer que os fiéis de Jesus Cristo ficassem com o poder de modificar a geografia da Terra”. Notinha: “Fillion, tal coisa assim”. Isso eu achei muito fraco. Mas como eu vi Luís XVI com uma fraqueza pior, eu fiquei convencido[inaudível].

Luís XVI permitia que a música da orquestra nas refeições dele tocasse, de vez em quando, canções em louvor dele. Às vezes, ele cantarolava alto a canção. É um horror. Em matéria de megalice, olha, é um horror, é de você desmaiar. É Saint-Simon que conta, mas deve ser verdade.

(Sr.–: [Inaudível])

Ah, também aquilo. Mais alguma coisa, meus senhores?

(Sr.–: [Inaudível])

Ou pelo menos teve bondade para com ele na hora de carregar. Vai ver que no fundo tem algo disso; não é contraditório, no fundo.

Bom, vamos encerrar então nossa reunião, senhores.

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1 Estava como Reunião Normal. Nos Sábados à tarde eram realizadas reuniões para os membros do Grupo da Rua Martim Francisco, na Sala dos fundos da mesma sede; e, no domingo, para os membros da Pará, na Sede do Reino de Maria, da rua Pará.