Reunião
normal – 15/6/1963 – p.
Reunião para o Grupo da Martim1 — 15/6/1963 — sábado
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Esta reunião é continuação do temário “Procura do Absoluto” no seguinte sentido: nas reuniões passadas, eu tratei do temário: “Procura do Absoluto”, dos obstáculos à procura do Absoluto, da excitação brasileira como obstáculo à procura do Absoluto e com tudo que ela tem de macaqueamente alegre e de humanamente triste. Essa excitação levou-me a fazer esta conferência hoje, cujo resumo é o seguinte.
Ela se estrutura em função do seguinte panorama: antes de tudo é preciso ver que a maior parte das pessoas, nesta vida, procura a felicidade e procura a felicidade terrena.
Essa procura de felicidade terrena é feita debaixo do espírito da Revolução, de um modo ambíguo porque não distingue duas noções essenciais e muito diversas que são: a noção de felicidade como ela é hoje tomada, que é errada, e a noção de bem-estar .
A noção de felicidade, como é hoje tomada, consiste numa sucessão ininterrupta de prazeres, quaisquer que sejam, isto é, diversões, ambição das qualidades, etc.
Se a pessoa consegue uma sucessão ininterrupta de prazeres, ela é feliz, se ele interrompe, fica como peixe fora d’água, com falta de ar e começa a sentir-se infeliz.
A doutrina católica nos ensina uma coisa diferente.
Em primeiro lugar a doutrina católica não censura o desejo de um certo bem nesta terra, desde que este bem não seja contrário não só à salvação, mas sejam meios positivos que nos conduzam à salvação eterna. Esse bem, entretanto, sem excluir de um modo inteiro os prazeres, a Igreja Católica o vê muito mais no bem-estar.
O que é que vem a ser o bem-estar: a expressão, no seu sentido corrente significa o fato de estar bem, quer dizer, de a pessoa existir, de a pessoa ser um ente racional, remido por Nosso Senhor Jesus Cristo, filho da Igreja Católica, nascido em determinado lugar de determinada categoria, determinada família, e com uma individualidade pessoal. Essa pessoa, criada por Deus, em si mesma é boa e deve ter a alegria de ser o bem bom que Deus a fez, a alegria de ser aquilo que Deus a fez.
O estar bem é sentir esta alegria nos chamados prazeres comuns, sóbrios, temperantes, da vida quotidiana. A organização de uma vida quotidiana em que o comer, o beber, o dormir, trabalhar, ter relações com outros, etc., apresente estes prazeres normais proporcionados à natureza de cada um, isto é uma coisa que só pode fazer bem para a alma, desde que a alma dominada pela procura do Absoluto, procure reportar todos os valores a Deus e procure servir-se deles para chegar até Deus.
E é exatamente no ter estes prazeres que a alma consegue um certo estado de espírito de equilíbrio mental, de equilíbrio nervoso, de equilíbrio de todas as formas com que pode servir a Deus e pode fazer a procura do Absoluto.
Porque o ambiente brasileiro não cultiva isto e sobretudo, ao que um pouco confusamente parece, não cultiva da República para cá, porque não cultiva isto, a vida quotidiana é um horror e o indivíduo procura escapar da trivialidade da vida quotidiana doméstica, das brigas da vida doméstica, do vazio de toda a alma e de todo o valor da vida quotidiana doméstica, procura escapar, como única solução, pelos prazeres e para a miragem de uma felicidade que constitui uma sucessão ininterrupta de prazeres.
O resultado é toda espécie de desequilíbrio de nervos, de alma, moral, enfim, todas as espécies de coisas e uma idéia de que para praticar a virtude se é insondavelmente infeliz e que a única felicidade possível é estar vivendo num vício, porque só ali que a pessoa pode sentir um certo bem-estar e uma certa alegria.
Em contraposição a isso, nós temos a noção muito sábia da Idade Média: a Idade Média dava ao homem uma infinitude de bem-estares, bem-estar até na luta, até na guerra, até na caçada, até no grande esforço, era a alegria do sacrifício, do grande esforço concebido em função de um alto ideal, de um ideal sobrenatural de servir a Nosso Senhor Jesus Cristo, etc.
De maneira que nós temos na Idade Média o contraste entre o bem-estar da vida quotidiana de um lado e, de outro lado, as grandes aventuras, as grandes epopéias que, de vez em quando, sulcavam a vida quotidiana e que depois ficavam dando uma espécie de brilho para a vida inteira do indivíduo e que eram feitas em função de um grande ideal, de maneira que isto fazia uma espécie de contrapeso com o que pode parecer monótono, uma vida normal assim vivida e isto é que era afinal a felicidade da vida. Aquela cena medieval do pai que chegava à noite, na lareira, e com toda a família reunida, ia ler a crônica da família, ele, no sossego da vida de todos os dias, lia as histórias, as aventuras, as dificuldades, as lutas que as pessoas tinham na família e nas grandes épocas da história. E com estas circunstâncias se dava exatamente para eles esse contrapeso de árduo, de glorioso, de arriscado, se seguro, de tranqüilo e de normal. Formava o grande equilíbrio medieval, ao lado das festas.
A festa então não era a festinha indecente de hoje, mas quando era festa, era festa lo que se dice festa. Às vezes era uma semana de festas, mas una semana em cinco anos, em dez anos. Então era uma grande semana de festa em que quase se viviam num conto de fadas, do qual era possível sair porque a vida era suportável, era normal, agradável e respirável.
Desta maneira, a gente compreende como era feito este balanço que fazia o equilíbrio da vida humana: grandes riscos, grandes lances, grandes festas, sulcando e pontilhando, de vez em quando, uma vida estável, equilibrada e normal e forte. Sobretudo uma vida por isto mesmo recolhida, concentrada, por isso mesmo, uma vida tendente, toda ela, ao Absoluto.
Bem, em sentido oposto a isto, nós temos a vida que a Revolução inaugurou, a Revolução foi acabando com a noção do bem-estar e foi inaugurando a monomania do prazer; é preciso ter primeiro para se divertir; por exemplo, a corte com prazeres.
Não há uma coisa mais absurda, avant la lettre, do que acontecia na corte na corte de Luiz XIV, XV e XVI, distribuíam bilhetes para todos os senhores e todos eram premiados, e então tratava-se de se saber quem era o premiado… podem imaginar o sonho da loteria, para algumas pessoas o Rei dava pessoalmente o prêmio, por gentileza; loteria era às vezes três quatro vezes por mês… compreendem que isto é malsão, não gosto disto.
Bem, agora o papel da penitência dentro disto: sem a penitência se despertam tão péssimos instintos do homem que o equilíbrio não se mantém. Penitência envolve sempre um certo elemento físico, mas além do elemento físico,eu não conheço melhor meio de penitência do que o de amar a Deus de todo coração e de desejar tudo para Ele, não para nós, e o sintoma disto é uma combatividade permanente. Se um homem quer ser abnegado seja continuamente combativo e ele será totalmente abnegado.
Então, a vida de combatividade de alguma mortificação, de amor de Deus, dentro desta estabilidade, isto me parece que é ritmo católico de vida, que se perdeu completamente.
Digo isto com vistas à Fazenda Moro Alto, com o sentido seguinte: eu tenho esperança, se Nossa Senhora nos ajudar de acabar constituindo ali um ambiente temporal, com um clima próprio à nossa vida, e que não é um clima de empanzinamento abominável, mas é exatamente desta coisa equilibrada, normal, digna de que Nossa Senhora nos ajude a ter o espírito de São Francisco de Assis porque, com este espírito, nós teremos tudo: uma alegria superior calma, das coisas de Deus.
Por isso é que Assis, Fábio, é boa também enquanto um ambiente temporal, não pode ser viso como santuário.
Et voilá, c’est fait….
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1 Estava como Reunião Normal. Nos Sábados à tarde eram realizadas reuniões para os membros do Grupo da Rua Martim Francisco, na Sala dos fundos da mesma sede; e, no domingo, para os membros da Pará, na Sede do Reino de Maria, da rua Pará.